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marleth silva

Barney, o gato

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

Uma casa de madeira às margens do Rio Uvú. Dito assim, parece que o cenário desta história é um lugarejo na zona rural. Mas é bem ali, perto da avenida por onde passam os curitibanos quando vão almoçar frango e polenta. Desconfio que desistiram da casa por causa do rio, que às vezes inunda as margens e invade o que encontra pela frente. Cheguei a ver as marcas da água na fachada. Foi um pouco antes de demolirem a casa.

Ela esperava do lado de fora, mal apoiada na muretinha que sustentava a cerca de madeira. Fazia carinho na cabeça do gato. Foi por causa dele que puxei conversa. Já tinha notado que ficava sempre ali, do lado de fora do portãozinho, vigiando quem passava. “Ele não desaparece de vez em quando?”

Ela garantiu que não. E num tom orgulhoso: “Ele tá sempre me esperando”. Em seguida, me contou sua vida, com aquele despudor característico dos brasileiros, que são capazes de se abrir com desconhecidos. A casa era do ex-marido e os filhos ainda moravam com ele.

Não convém perguntar muito para não assustar a vizinha distraída que desabafa com estranhos

Ela foi embora porque ele era “louco”. De que tipo de insanidade ela o acusava, não consegui esclarecer. Em encontros desse tipo não convém perguntar muito para não assustar a vizinha distraída que desabafa com estranhos. Ao longo da conversa, ela citou alguns comportamentos que pareciam ilustrar a suposta demência do ex-companheiro: bebia demais (mas só de vez em quando), dependia da mãe pra tudo e não ligava para sexo.

Então ela foi embora e deixou na casa de madeira o marido “louco”, a sogra, os dois filhos crescidos e o gato. Os filhos ficaram para cuidar do pai e porque estudavam no bairro. Costumavam visitá-la.

O problema era o gato. Para vê-lo, ela precisava pegar o ônibus amarelo, depois o vermelho e depois o cinza, que para logo ali, na avenida. Ia sempre à tarde, quando o marido não estava. A sogra fingia não ver. E o gato fazia sua parte, esperando no portão. Naquele dia foi recompensando com uma latinha de atum. Um conhecido ia passar por ali e ofereceu carona. Dá para ir embora pelo Contorno Norte. “Um pulinho”.

O marido também gosta do gato?

“Detesta.”

São os filhos, então, que querem o gatinho por perto?

“Nem ligam.”

A sogra?

“Odeia bicho.”

Por que, então, não o leva embora?

O marido não deixa. O gato é refém dele. A primeira vez que ela saiu de casa, ele enviou uma foto pelo celular. A gorda mancha amarela aparecia dentro do micro-ondas. A mão escura do homem forçando a portinha envidraçada. Ela voltou correndo.

Depois desistiu de proteger o gato Barney e se instalou de vez lá no Umbará, bem longe do Rio Uvú. Mas se sentia culpada, tinha saudades do bichano e por isso sempre voltava, mesmo tendo de enfrentar a sequência “ônibus amarelo-ônibus vermelho-ônibus cinza”.

A foto continuava no celular para quem quiser ver. Eu quis. Se alguma coisa acontecer com o Barney, ela tem uma prova para mostrar para o juiz.

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