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O pintor que chamei para cuidar da casa é falante. Conta sobre coisas que vê por aí e situações que vive no trabalho. Com muita naturalidade, me fala sobre os síndicos que o contratam para trabalhar na reforma de condomínios e prédios e cobram dele uma propina. Isso mesmo, em troca de entregarem o trabalho para ele, pedem um porcentual sobre o preço final. Às vezes, que pinte uns cômodos de suas casas. O pintor não usou a palavra propina nem falou em corrupção; sou eu que falo. Vejo pessoas corruptas que tiram vantagem de seus vizinhos.

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A história dos síndicos corruptos foi a cereja podre no bolo azedo. Em questão de poucos dias, vi notícias de um desvio de dinheiro público envolvendo Paulo Maluf e um banco alemão; outro envolvendo sucessivos governos do PSDB em São Paulo e a Siemens; um terceiro, recente, que compromete oficiais da Aeronáutica e uma empresa americana. Um quarto caso: a denúncia de que cartolas da Confederação Brasileira de Vôlei gastaram em proveito próprio parte do patrocínio dado pelo Banco do Brasil. Ainda houve a revelação de que uma funcionária da Petrobras enviou e-mails aos chefes denunciando práticas prejudiciais à empresa na negociação de preços com fornecedores e foi recompensada com uma "geladeira".

O primeiro desses casos começou em 1993, quando Maluf teria desviado verba da construção da Avenida Água Espraiada e do Túnel Ayrton Senna, em São Paulo, e usado o Deutsche Bank para enviar o "troco" para o exterior. Vendo a investigação se aproximando deles, os alemães foram práticos: entregaram um cheque de R$ 47 milhões para a prefeitura e outro de R$ 5 milhões para o estado de São Paulo, como parte de um acordo de indenização. No último desses casos que citei, o da Petrobras, a roubalheira de dinheiro público só deve ter parado neste ano mesmo, quando a Polícia Federal já batia nas portas da diretoria da empresa e das empreiteiras.

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Sim, eu sei, corrupção não é assunto natalino. Mas temos de falar sobre como estamos nos sentindo em relação a essa decadência moral. Decadência que não é nova, que ocorre em todo lugar, inclusive em um singelo condomínio próximo de você. É difícil combater uma mentalidade de desonestidade quando ela está muito arraigada no jeito de ser de uma nação. Há grandes chances de que o sujeito que tem a chance de corromper e de ser corrompido, de roubar o dinheiro da merenda das crianças e do esparadrapo dos doentes pobres, não sinta acender nenhuma luz vermelha na consciência quando mete a mão na botija. Nem todos são assim. Mas o contingente dos que são, dos corruptíveis, é grande e maléfico.

Recordo-me de outra conversa com esses trabalhadores que entram nas nossas casas para fazer reparos. Um sábado qualquer, fui falar com o marceneiro aqui da rua. Encontrei-o trabalhando em algumas portas junto com outros dois homens, todos os três na casa dos 60 anos. As portas, me explicaram, haviam sido tiradas da mansão que pertencera a um político. O que teria acontecido com ele?, perguntou o homem que lixava uma porta furiosamente. Respondi que, na última vez que o vi no noticiário, ele estava saindo da Polícia Federal, preso. O lixador, um gigante de cabelos loiros, não acreditou. Tinha certeza de que era uma farsa. Que políticos não vão para a cadeia e ponto final. Os outros confirmaram o que eu contava, mas o Gigante (assim vou chamá-lo) não acreditava em nós.

Nesses dias, alguns figurões, executivos de grandes empresas, estão detidos enquanto se investiga o escândalo da Petrobras. Tem outros figurões, desses que já foram "autoridade" no Congresso Nacional, cumprindo pena em regime semiaberto em Brasília por causa do mensalão. De fato, eles estão em celas. Certamente essa exposição de seus malfeitos e da passagem pelo presídio ou pela detenção da Polícia Federal fez estragos na vida deles e de suas famílias. Mas o Gigante provavelmente continua não acreditando nem se consola.

Conforme as instituições públicas se aperfeiçoam, a transparência cresce e a possibilidade de se descobrir a corrupção e punir os culpados aumenta. Isso vem acontecendo no Brasil e tem um efeito pedagógico. Mas, como péssimos alunos, que não temem o castigo, que sempre acreditam que vão dar um jeito de se safar, os corruptos eleitos ou nomeados, contratados por empresas ou concursados, vão continuar agindo.

Moral da história: os beneficiados pela corrupção não sentem nada. O povo enganado e roubado sente desespero.

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Para acalmar o Gigante e todos nós, a corrupção tem de refluir, tem de estancar. E, para isso, as prisões são necessárias e também é necessário um pacto pela honestidade, pela vergonha na cara, pela responsabilidade. Não acredito que o povo brasileiro seja corrupto. A cultura brasileira é que é corrupta. Não é um grande consolo, já que é difícil mudar a cultura. Mas é possível.

Essa revolta constante com que vivemos é que não dá para suportar.

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