Os meninos riem, falam e gritam. Dão barrigadas na água: splash, splash! Observo a diversão sem ser notada. Estou a poucos metros deles. Usam óculos de natação e mantêm apenas a cabeça fora d’água. São só dois meninos acompanhados de suas imaginações poderosas, duas mentes de crianças que transportam os corpos pequenos para longe, para além da quietude da nossa vizinhança. Meus olhos me enganam: eles não estão na calçada, dentro de uma piscininha de plástico; estão em um mar revolto e o inimigo os persegue. Inimigo sanguinário e cruel que irá atirar nos dois com um canhão para destroçar seus corpos jovens e transformá-los em comida para tubarão. Falando em tubarão, lá vem ele, à esquerda. “Cuidado, Gus! O monstro tá vindo!” E Gus grita e bate as pernas para se afastar da criatura imaginária que se aproxima de boca aberta, vinda da garagem onde eu só vejo o automóvel. “Dan, se esconda!” – grita Gus, e ambos submergem as cabeças na água. Desaparecem lá embaixo e ficam quietos por alguns segundos.
Silêncio.
Eles não estão na calçada, dentro de uma piscininha de plástico; estão em um mar revolto e o inimigo os persegue
Aaah! Aaah! Voltam à tona gritando e se batendo como se tivessem sido atacados por uma criatura marinha ali no fundo azul da piscina. Um polvo gigante, talvez, que os surpreendeu com seus tentáculos viscosos vindos das profundezas daquele mar escuro que se estende por muitos quilômetros abaixo da lâmina d’água de 50 centímetros da piscininha, uma água gelada que saiu da mangueira usada para regar o jardim.
Que tola sou eu de pensar que só o que existe é a piscina de plástico, quando na realidade ela é apenas a parte visível de um oceano misterioso, habitado por criaturas gigantescas que atacam os meninos que ousam atrapalhá-las com suas perninhas curtas (as do Gus) ou magras (as do Dan) e esguichar na calçada as águas mágicas usando um brinquedo na forma do peixinho Nemo.
Escondida pela cortina da minha sala, observo os dois heróis. É como ver um filme.
O que será que eles estão espiando fora da piscina? Os dois se agarram às bordas e erguem a cabeça o suficiente para olhar lá fora, mas sem se expor demais. Devem saber que há algum perigo fora daquele círculo de dois metros de diâmetro. Por isso observam, milagrosamente silenciosos. A única criatura viva que eu vejo rondando a piscina é o gato tricolor, o mesmo que eles mais cedo tentaram molhar com o Nemo que esguicha água. Mas os dois parecem ver algo muito assustador porque, de repente, Dan se levanta com a mão no coração e os olhos fechados e cai duro para trás, para horror de Gus, que parece genuinamente preocupado com o ferimento invisível do amigo.
Felizmente Dan ressuscita e a brincadeira recomeça e prossegue por pelo menos mais duas horas.
Fico feliz por eles que conseguem ver tanto, fazer tanto e viver tanto em um espaço limitado e tão familiar.
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