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marleth silva

Doppelgänger

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

Pense em um sujeito de aparência comum. Nem bonito nem feio. Simpático. O personagem desta crônica era assim. Essa banalidade ele invocava quando tentava explicar a frequência com que lhe diziam que se parecia com alguém. “Você é a cara do meu tio que mora no Espírito Santo.” “Você lembra muito meu amigo de infância.” “Nossa! Você é igual ao meu dentista!”

Achava simpáticos esses comentários. Curiosos, só isso.

Até começou a ver nas ruas outros homens que se pareciam com ele. De relance, aqui e acolá, notava seus duplos passando, distraídos. Ia de carro e enxergava o camarada no ponto de ônibus, ali na Marechal. Outro dia, no shopping, o sósia era levado pela escada rolante ao andar de cima. Cutucou a esposa. “Olha lá, olha lá!” A esposa não conseguiu identificar. “Onde? ” – e apertava os olhos na direção da escada. Essas aparições sempre o deixavam encasquetado. Contava sobre o mistério para cada pessoa que cruzava seu caminho naquele dia.

Uma dessas pessoas arriscou uma explicação. “Vai ver que é o seu doppelgänger”.

Tem palavras que têm um inventor, e doppelgänger é uma dessas

Anotou a palavra e pesquisou. Sites de curiosidades contavam que doppelgänger é o personagem de uma lenda alemã que fala que todos temos um duplo andando por aí. Ou um espírito que toma nossa aparência... Um espírito do mal... A coisa estava tomando um caminho perigoso. E ele, cada vez mais interessado.

Aí descobriu Jean Paul, o homem que inventou a palavra doppelgänger. Tem palavras que têm um inventor devidamente identificado e doppelgänger é uma delas. Quem a criou foi Jean Paul, um escritor alemão do século 18. O personagem de seu livro, o Siebenkäs, consultou seu doppelgänger sobre como se livrar de um casamento infeliz e o “duplo” sugeriu que fingisse a própria morte para ficar desimpedido. A cópia nada mais era que o alter ego do Siebenkäs.

Mas a lenda da cópia, do espírito com a nossa aparência – talvez um anjo guardião que quer nos provar que existe? –, a lenda já era contada antes de Jean Paul usá-la, com variações, em vários de seus livros. Parece que a ideia de que a vida é dupla tem forte apelo para o ser humano. Quem sabe o doppelgänger sempre pega o caminho que nós rejeitamos, faz o que temos medo de fazer e diz a palavra que calamos por falta de coragem?

Enquanto pesquisava, o personagem desta crônica nunca mais viu os sósias. Parece que a explicação fez com que os fantasmas desaparecessem. Parou de enxergá-los em toda parte e agora sente falta do enigma. “O problema desse nosso hábito de explicar tudo” – lamentou-se à esposa – “é que não sobra mistério nenhum no mundo”. Ela concordou. Também andava curiosa para conhecer o sósia do marido. Quem sabe não seria uma versão melhorada?

***

A beleza das palavras, 2. Limerence: em inglês, o desejo de ser correspondido pela pessoa amada, que cresce até se tornar uma obsessão.

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