O quadro Homem Sentado foi pintado há quase 100 anos por Amadeo Modigliani, pintor italiano que morreu na miséria. Mostra um elegante senhor de terno escuro e chapéu que se apoia em uma bengala. Pertencia a um antiquário judeu chamado Stettiner, que vivia em Paris. Durante a Segunda Guerra Mundial, o quadro foi levado por soldados nazistas. Foi vendido algumas vezes até aparecer em um leilão de arte, em Londres, cotado em US$ 25 milhões. Desde então se sabe onde o quadro está (em um depósito na Suíça), mas aqueles que pretendiam leiloá-lo (a milionária família Nahmad, que vive em Mônaco e é dona de 300 Picassos) dizia que o Modigliani não lhe pertencia, mas sim a uma empresa cujos donos eles desconheciam.
Nesta semana os “Panama Papers” mostraram que a empresa dona do Modigliani é uma offshore que pertence a quem? Aos Nahmad, que agora não podem mais negar que estão com Homem Sentado, mas desafiam os herdeiros de Stettiner a mostrar o recibo da compra feita nos anos 30. Será que uma família judia em fuga da Paris invadida pelos nazistas conseguiu preservar esse pedaço de papel?
As empresas e as contas bancárias são legais, mas os propósitos são escusos
Os papeis do Panamá, ou “Panama Papers”, são documentos gerados nos últimos 40 anos pela firma Mossack Fonseca, um escritório de advocacia especializado em criar e administrar empresas offshore (empresas ou contas bancárias em paraísos fiscais). Estes documentos foram desviados por alguém de dentro do escritório na Cidade do Panamá e entregues a um jornal alemão, que, diante da enorme quantidade de informação, propôs parceria ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, uma entidade sem fins lucrativos. Desde o dia 3 de abril, estão sendo publicadas em vários jornais do mundo as reportagens mostrando como o sistema funciona e quem são os privilegiados clientes. É um trabalho impressionante de reportagem.
A turma que esconde seus milhões no exterior, seja um milionário europeu ou o presidente da Câmara dos Deputados de um país sul-americano, se esconde. A Mossack Fonseca, segundo contou o jornal inglês The Guardian, oferecia para os mais ariscos a possibilidade de se comunicar através de contas de e-mail especialmente criadas com esse fim. Sem muita imaginação, os milionários usavam codinomes como Harry Potter, Ursinho Pooh e Isaac Asimov. “Asimov” é um advogado de Barcelona, que tem US$ 21 milhões em contas offshore. Foi acusado de evasão fiscal, mas não foi condenado.
E-mail enviado por “Harry Potter” para a firma Mossack Fonseca em que ele, de forma lacônica, pergunta sobre uma quantia da qual perdeu o rastro: “Você viu o dinheiro?” O advogado respondeu: “Caro Harry, recebemos o dinheiro”. E anotou o valor: US$ 25 mil.
Estamos falando de muita grana. Calcula-se que 8% do dinheiro do mundo está guardado nessas empresas offshore.
Os papéis da Mossak Fonseca revelam um mundo paralelo ao nosso, o circuito em que transita e se esconde o dinheiro dos muito ricos, mudando de um país para outro em empresas e contas bancárias criadas para protegê-los. Protegê-los do quê? A princípio, dos impostos, mas pode ser também da polícia, da opinião pública ou de seus verdadeiros donos. As empresas e as contas bancárias são legais, mas os propósitos são escusos. Há entre os clientes um russo condenado por pedofilia e o negociante de arte que esconde o Modigliani roubado pelos nazistas. Tudo que o pedófilo e o negociante de arte fizeram usando essa firma foi legal.
Há dois anos, uma revista americana chamada Vice publicou uma reportagem sobre a Mossack Fonseca, chamada no texto de “escritório de direito que trabalha com oligarquias, lavagem de dinheiro e ditadores”. Uma sobrinha do senhor Mossack, Carolina, não gostou do tom acusatório e escreveu o seguinte comentário no espaço aberto para os leitores: “Eu vivo sem culpa e não dou a mínima para vocês que estão debochando do meu tio e do Panamá. Nós somos um país feliz onde ninguém trabalha porque todos os seus calhordas trazem o dinheiro sujo deles para cá. LOL. Nós só gastamos [o dinheiro]. São os seus governos que estão fazendo crimes. Nós somos apenas advogados e não nos importamos. ”
Ainda está lá, para quem quiser ler e sentir engulho.
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