| Foto: Felipe Lima

Esta semana o governo francês começou a demolir a “Selva”, o acampamento, na cidade de Calais, onde viviam 9 mil refugiados vindos de vários países. Entre eles, 1,3 mil crianças e adolescentes desacompanhados. Os imigrantes foram transferidos para vários outros campos. Nove mil pessoas morando juntas formam uma comunidade, um bairro, um vilarejo ou uma favela. Era isso que o governo francês queria evitar.

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As guerras, os governos ditatoriais, o fanatismo estão deslocando milhões de pessoas que fogem sem perspectiva de voltar para casa. Fogem para sobreviver e não em busca da oportunidade de enriquecer. Segundo a ONU, 80% dos refugiados do mundo vivem em países pobres, onde não há trabalho, como Paquistão, Irã, Congo e Quênia. Aqueles que chegam à Europa são uma pequena fração desses milhões de deslocados, mas são os que chamam mais atenção. Neste ano, 3,8 mil morreram no Mediterrâneo e os que chegam às cidades causam medo e desconforto. Não é mesmo uma situação fácil para quem recebe essas pessoas que falam uma língua diferente, que não têm recursos materiais e que trazem costumes novos. Mas a situação é muito pior para eles, os imigrantes que fogem da destruição.

Por isso, uma das medidas mais bizarras vistas até o momento foi o muro de Calais.

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Quando não se sabe o que fazer para resolver um problema, constrói-se um muro

No fim de setembro, foi iniciada a construção de um muro entre a Selva e a rodovia que leva ao Porto de Calais. Alguns imigrantes mais desesperados invadem os caminhões que passam rumo ao porto para atravessar com eles para a Inglaterra. Muitos já morreram assim. Diante da gravidade da situação, o governo britânico se saiu com essa: um muro de um quilômetro é a forma que a Grã-Bretanha encontrou de assegurar que os imigrantes sejam um problema exclusivo da França.

Não dá para acreditar que os membros do governo britânico que tiveram a ideia de gastar R$ 8,4 milhões para construir um quilômetro de muro pensam realmente que estão resolvendo alguma coisa. Mas certamente estão mandando uma mensagem política: longe dos olhos, longe das mentes. “Não vemos o problema, que está do outro lado da muralha, portanto ele não existe para nós”.

A ideia é antiga: quando não se sabe o que fazer para resolver um problema, constrói-se um muro. Às vezes recorre-se a um muro mental, ou seja, à negação e ao recalque (o Verdrängung de Freud). Faz-se de conta que o problema não existe e ele continua lá, crescendo. Outras vezes apela-se para muros físicos, amontoados de tijolos, cimento e arames. Isso ocorre quando há necessidade de mostrar reação, de agir. Por isso políticos, diante de algumas situações críticas, valem-se de muros. Eles não resolvem nada, mas são uma “obra” da administração pública, uma resposta concreta à inquietação popular.

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Os muros são estruturas físicas que se tornaram arquetípicas ao longo da história. Surgiram como elemento de defesa das cidades-Estado, cujas populações temiam, mais que tudo, a invasão de outros povos capazes de saquear, queimar casas e estuprar. Jericó, Nínive, Babilônia, Atenas, Roma, Bagdá – todas eram cidades muradas. E todas foram invadidas.

A história registra que as muralhas ofereciam sensação de segurança, mas, quando os ataques aconteciam, elas apenas prolongavam a duração da batalha. Mesmo a Grande Muralha da China não conseguiu impediu invasões. Sua grande força era simbólica, uma barreira psicológica que separava os chineses do resto do mundo.

Os muros, cercas e muralhas nunca foram abandonados. O muro-prisão de Berlim era um aparato vergonhoso de repressão e sabemos que o dia em que acabou foi um dos mais felizes da Europa. As “Peace Lines”, que dividem bairros habitados por católicos e protestantes, continuam em pé na Irlanda do Norte. Recentemente, muros “brotaram” na fronteira entre Estados Unidos e México, Israel e Palestina e, agora, Grã-Bretanha e França.

O que os novos muros expressam é, do ponto de vista político, a falta de empenho para a negociação e, do ponto de vista humanitário, o desprezo pelo diferente quando ele vem acompanhado de necessidade econômica. As sociedades dos países mais ricos são tolerantes em relação a novos comportamentos e encampam os discursos de respeito às minorias. Mas têm se mostrado desconfortáveis com a perspectiva de oferecer auxílio material aos “diferentes” que precisam começar do zero. O medo fala mais alto que a compaixão e que a razão.

Em vez de encarar com honestidade todas as causas da crise de refugiados, é mais fácil agir como se os próprios desterrados fossem o problema e ignorar todo aquele conjunto de políticas de vários países e vários governos que tornou impossível a vida em algumas partes do mundo e provocou as diásporas. As causas da crise são nuançadas, complicadas e requerem uma análise séria caso se pretenda encontrar uma solução. Quando não há solução simples e de curto prazo, tem-se o cenário ideal para a construção de um muro.

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