Meu filho passou os últimos dez dias pensativos. Para quem é estudante de escola pública, há muito sobre o que refletir neste momento. Ele tentava formar uma opinião sobre a reforma do ensino médio, sobre a possibilidade de o governo federal reduzir os gastos com educação com a PEC 241 e sobre a próxima greve dos professores da rede estadual. Notei-o angustiado. Várias vezes me procurou para falar sobre esses assuntos. “São temas complicados mesmo”, tranquilizei-o.
Fico feliz com a prova de confiança que ele me dá cada vez que vem falar comigo sobre estes assuntos, quando me conta algo que ouviu de colegas ou professores e que não entendeu, quando me ouve.
Ele sabe que estou preocupada com a greve dos professores, para mim o assunto mais urgente. Os dois lados envolvidos (governo estadual e professores) não têm se mostrado estrategistas sensatos. A seu modo, ambos apelam para a força, para a queda de braço. Quem sai perdendo são os estudantes, que têm o processo de aprendizagem interrompido – as reposições de aulas nunca acontecem a contento.
O que eu vou dizer para um rapaz de 18 anos diante de suas primeiras experiências na vida pública?
Enquanto eu digeria a notícia da nova greve, meu filho veio me contar que a sua escola será ocupada pelos alunos. Ele precisa se posicionar. Quer participar da ocupação. Está preocupado com minha reação.
O que eu vou dizer para um rapaz de 18 anos diante de suas primeiras experiências na vida pública?
Ele me mostra o texto em que os estudantes apresentam seu movimento. As reivindicações me parecem amplas demais. Com quem irão negociar? Quando entenderão que é hora de dar o movimento por encerrado e retomar a normalidade?
Agora quem está pensativa sou eu. Respondo que faça o que acha certo e que não se meta em encrenca.
Anos atrás, fiquei impressionada com uma história que me contou meu amigo Carlos Eduardo Lourenço Jorge.
Ele tinha 18 anos e cursava Direito na UEL. Foi em outro outubro, o de 1968. Os estudantes se reuniram em assembleia para decidir quem participaria do congresso clandestino da UNE em Ibiúna – clandestino porque a entidade estudantil tinha sido proscrita pelo governo militar. O curso de Direito não mandaria nenhum representante e isso era motivo de vergonha. Carlos Eduardo, quase uma criança, tomou para si a tarefa de salvar a reputação da turma. Quando levou a notícia para casa, tinha consciência da bomba que estava colocando no colo do pai. O senhor Lourenço Jorge tinha sido delegado durante o governo de Getúlio Vargas. Sabia como funcionava a repressão nas ditaduras e previa o que iria acontecer em Ibiúna. Mas sabia também que o filho tinha de viver a vida dele, tinha de crescer. Autorizou a viagem. Deu-lhe algum dinheiro para as despesas.
A história de Carlos Eduardo me impressionou muito. Ficou martelando meus pensamentos. Não me coloquei no lugar dele, o jovem descobrindo a vida, mas no lugar do pai. Que homem de convicções! Que pavor teve ter sentido no seu coração de pai!
Meu filho não enfrentará os mesmos perigos que o filho do Lourenço Jorge enfrentou, não será preso como ele foi, não ficará detido em um presídio, não será fichado como subversivo. Quero crer que terá uma oportunidade de aprender, de pensar em como agir dentro da sociedade, como se posicionar, como lutar pela educação que a geração dele precisa receber. Mas, como mãe – e as mães sabem como ser dramáticas –, fico me lembrando do senhor Lourenço Jorge e cruzo tempo e espaço para me solidarizar com ele.