O dr. Paul Weston é um grande personagem, talvez o melhor que apareceu na televisão nos últimos anos. Ele é o psicanalista vivido pelo ator irlandês Gabriel Byrne na série Em Terapia, exibido diariamente pela HBO. Na temporada atual, dr. Paul está recém-divorciado e sofre as agruras de não viver mais na mesma casa que os filhos. Por isso precisa viajar nos fins de semana para vê-los e tem de manter conversas incômodas com eles ao telefone. Daquelas que, depois que o telefone volta para o gancho, deixam a sensação de que ficou muita coisa por dizer.
Dr. Paul está perplexo. Desde os 10 anos (agora tem 50) tem mágoa do pai, que ele acredita ter abandonado a família sem a menor consideração. Agora percebe que, apesar das suas melhores intenções, pode estar dando aos filhos a mesma impressão de frieza e distanciamento que seu pai lhe deu: parece que a comunicação entre dr. Paul e seus filhos é tão falha quando foi a dele com seu pai.
Pacientes que entram no consultório do psicanalista trazem o mesmo problema: pessoas maduras, jovens, crianças todos sofrem pelo não dito, pelo que acreditam que está subentendido. São pessoas que se amam e que sofrem por causa do amor. O amor fere, como dizem várias canções. O ferimento não é do tipo que se vê em homicídios eu empunho o amor (o meu e o seu) contra você para te ferir. É do tipo que se vê em suicídios eu empunho nosso amor contra mim, para cutucar meu peito, para me machucar.
Enquanto os muito jovens acreditam no preto no branco (se você me ama você fica comigo, não briga comigo, evita conflitos) os mais velhos percebem que não conseguiram viver assim. Mais que isso: era impossível viver assim o tempo todo. Talvez com as melhores intenções, talvez por medo, ocultaram sentimentos, fecharam-se. Agora, os estragos estão feitos e eles se assustam com a pessoa em que se transformaram aos olhos dos filhos. Ou, no caso do dr. Paul, assustam-se ao começar a entender o pai, que por tanto tempo se empenharam em odiar. (É sempre o amor cutucando o peito onde nasceu e se abrigou.)
Parece que relacionamentos entre pais e filhos têm sempre um elemento fantasioso: ou é a admiração, ou é a decepção, ou é a mágoa que é exagerada. O filho cresce e, de uma forma ou outra, constrói em torno de si uma situação que lembra a vida de seu pai. Se perceber isso, terá de lidar a seu modo com esse choque de realidade: reconcilia-se com as limitações do pai, liberta-se da influência que determina os rumos de sua vida (nem sempre na melhor direção) ou deixa tudo do jeito que está. Deixa a faca enterrada no peito e, de tempos em tempos, enfia-a mais um pouco.
Pais são grandes personagens. Sentem na pele o medo de decepcionar quem eles mais amam e, a certa altura da vida, descobrem que causaram decepções. Mas a maioria insiste. O amor fere, o amor cura.
Marleth Silva é jornalista.
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