Só os ingênuos acreditam que as histórias sempre têm começo, meio e fim. Lá no fundo sabemos que as experiências importantes da nossa vida não acabam nunca, que seguem abrigadas, espremidas em um canto de nós. Não é fácil livrar-se delas. Mas precisamos acreditar que acabaram para não carregar tanta bagagem pesada pela vida afora. Para não carregar duas histórias que parecem incompatíveis: duas histórias de amor, por exemplo. A nova história não deveria eliminar a velha? Só os ingênuos acreditam que as histórias de amor sempre têm começo, meio e fim.
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Outro dia pensei: quero escrever mais uma vez sobre o amor (amor romântico, que envolve paixão e sexo) antes que estes meus textos desapareçam do papel-jornal.
O jornal ganhou força com os dramas românticos, com os amores impossíveis, com os corações partidos
Lá no início da imprensa na Europa, quando os jornais eram basicamente panfletos que defendiam uma causa política, os editores perceberam que venderiam mais se publicassem uma história folhetinesca – que, como o adjetivo registra, eram então publicadas apenas em cadernos chamados folhetins. Eles trouxeram aquelas histórias dramáticas, geralmente românticas, para as páginas dos jornais, lado a lado com textos que falavam de reis depostos, parlamentos em crise e ameaças de guerra. Deu certo. O jornal ganhou força com os dramas românticos, com os amores impossíveis, com os corações partidos. Seu público se ampliou.
É, portanto, coerente com a história do jornalismo que, enquanto o que eu escrevo é publicado em papel-jornal, eu conte uma última história de amor.
No mesmo dia em que pensava nisso, soube de um casamento que me deixou curiosa. A Maria do Livramento, do Piauí, mais conhecida como Lili, casou-se com Walter Firmo, do Rio de Janeiro. A celebração foi em Curitiba. Pedi para a minha amiga Celeste, que foi à festa e que mostrou as fotos no Facebook, que contasse a história toda. Que é a seguinte: os dois namoraram a distância; então, um problema de saúde dele expôs toda a dedicação dela e aí os dois resolveram vir casar aqui, onde vive um amigo que ele considera como um filho. Apesar de nenhum dos dois morar em Curitiba, a festa está cheia e animada.
Agora, o que me tocou mesmo foi o rosto do Walter Firmo nas fotos do casamento. Vi no rosto dele uma expressão que diz “dei sorte, a vida me sorriu, quem diria?”. Vi também uma emoção contida, talvez a vontade de chorar. Falar da expressão do Walter Firmo nas fotos do casamento é contar uma história de amor. Teve também o terno do Walter Firmo, que era de linho branco e que ele portava com aquela elegância que só um mulato exibe ao vestir-se assim.
Teve a tiara e o véu da noiva, de tule curto, com pois. Quando criança, minhas irmãs e eu brincávamos com uma vizinha que vivia nos fundos de uma loja de confecções. Domingo, com a loja fechada, entrávamos lá para brincar “de loja”. Havia sempre uma tiara com véu, que tirávamos da caixa de papelão, onde ficava muito bem dobrado, para experimentar. Era exatamente como a tiara e o véu que a Lili usou para casar com o Walter Firmo.
Então, quando, meio por acaso e meio por coincidência, escolho o olhar apaixonado de Walter Firmo para falar de amor no papel-jornal, o círculo se fecha. Ele é, afinal, protagonista da história da fotorreportagem no Brasil. Mesmo sem saber, vemos as fotos deles há uns 50 anos. Sabe aquela foto linda do Pixinguinha sentado na cadeira de balanço com o saxofone no colo? Foi o Walter Firmo que fez. “Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê...”
Será que tocou Carinhoso no casamento do Walter Firmo com a Lili?
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