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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Uma vez entrevistei um físico que havia criado um programa de computador que lia I-Ching. O I-Ching é um texto chinês antigo que tenta explicar ou encontrar lógica em episódios da vida cotidiana. No Ocidente, passou a ser usado como oráculo, como método de adivinhação. O tal professor de física colocou o texto do I-Ching clássico em um software acompanhado de um manual de instruções que dizia o seguinte: "formule sua pergunta e clique em qualquer tecla do seu computador". A resposta surgiria imediatamente na tela. Perguntei ao professor qual a relação "científica" entre o toque aleatório e a resposta correta para um questionamento íntimo. Resposta do físico: "Nenhuma. O que importa é que se faça a pergunta com clareza. Quando a pergunta for muito clara, a resposta vai surgir, muito clara também."

Já que a vida não vem com manual de instruções, deveria vir pelo menos com uma lista de perguntas a serem respondidas por todo mundo que tem mais de 11 anos. Mais perguntas, se a gente já vive cercado por dúvidas sobre os porquês da existência? Isso mesmo, mais perguntas. Refiro-me a questões prosaicas e não a grandes dúvidas existenciais do tipo "por que estamos aqui?" e "para onde iremos?". Essas só podem ser abordadas de modo filosófico ou religioso e, mesmo assim, pode-se chegar à conclusão de que não há resposta nenhuma.

As perguntas úteis são aquelas que nos ajudam a calibrar os nossos projetos, o uso do nosso tempo e a reduzir o efeito "barata tonta". Coisa básica, do tipo: o que são as duas ou três coisas mais importantes para mim? Quero filhos? Tenho algum grande sonho? Quero fazer alguma loucura? Qual? Mas quero mesmo ou me basta fantasiar em cima dela?

Algumas teriam de ser repetidas de tempos em tempos até o fim da vida (para a maioria de nós dá tempo de ter mais um de um grande sonho e de fazer mais de uma loucura). Outras se tornam obsoletas (os filhos provavelmente não vão chegar depois dos 50, mas até para isso há exceções). Algumas respostas precisam ser compartilhadas, especialmente aquelas que dizem respeito à nossa saúde e à nossa velhice. Não adianta esperar os 90 anos para avisar a família de não quer ser entubado ou levado para a UTI em caso de doença terminal. A mensagem tem que ser clara e chegar cedo. Dê uma olhada no filme A Família Savage: os dois filhos do senhor Savage têm de informar ao diretor da casa de repouso o que o pai, queria para si em termos de tratamentos prolongados. Os filhos não sabem e perguntam ao pai que, sofrendo de demência, não consegue responder. A cena é triste e constrangedora. Como atualmente o paciente terminal que é levado para um hospital passa a ser um assunto médico e a família perde o controle sobre o que fazem com ele, a clareza sobre isso é fundamental. Esse é um exemplo de pergunta que deve ser feita naqueles períodos da vida em que a resposta parece totalmente desnecessária. Quando ela for necessária o mundo vai estar triste e dolorido e a dúvida vai ser um espinho a mais cutucando a ferida.

Fiz um teste com o oráculo eletrônico daquele esperto professor de Física. Descobri que difícil mesmo é perceber qual pergunta eu deveria estar me fazendo. Quanto mais precisa eu conseguia ser na pergunta, mais irrelevante ela se tornava. As que sobreviveram ao teste da irrelevância já traziam junto uma resposta imediata, natural e avassaladora. Ou seja, lá no fundo, eu já sabia. Isso tudo antes mesmo de teclar um botãozinho qualquer para despertar a sabedoria chinesa que me esperava dentro do software! Se bem me lembro, nem consultei o oráculo, mas posso garantir que o manual de instruções era ótimo.

Marleth Silva é jornalista.

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