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 | Haruo Ohara/Acervo Instituto Moreira Salles
| Foto: Haruo Ohara/Acervo Instituto Moreira Salles

Para quem não o conhece, gos­­­taria de apresentar hoje um imigrante japonês. Ou talvez deva apresentá-lo como um agricultor do interior do Paraná. Ou, se me arriscar a reproduzir a palavra que me vem à cabeça quando penso nele, diria assim: vou falar de um grande artista. O nome dele é Haruo Ohara e muitos de vocês devem conhecê-lo, talvez até bem melhor do que eu, que só há poucos anos descobri sua arte. Haruo imigrou do sul do Japão no final da década de 30 e foi para o Norte do Paraná. Instalou-se em um sítio na região que viria a se transformar em Londrina. Sorte de Londrina, que teve sua terra vermelha, suas ruas às vezes lamacentas e às vezes poeirentas registradas por ele.

Nas horas vagas, entre uma e outra tarefa no sítio onde plantava milho e café, Haruo fotografava. Fotografava principalmente sua família e o sítio, um típico sítio do interior do Paraná. Sabemos que não devia haver tanto que mostrar na Londrina daquela época, já que a cidade estava se formando. Pois Haruo mostrou muito, com uma delicadeza, uma sem-cerimônia que faz a gente se ver lá, observando a moça decidindo se abre ou não o guarda-chuva ao sair de casa e as criancinhas que usam a terra vermelha e poeirenta como brinquedo (aliás, existe outro lugar em que o solo em si seja parte tão relevante da vida das pessoas como na terra roxa do Norte do Paraná?).

Em uma imagem, um agricultor equilibra a enxada na palma da mão, como um malabarista. Em outra, a água da chuva cai de uma calha sobrecarregada que termina no canto de uma casa de madeira. Cai sobre um tonel de metal, que está transbordando. Dele, a água vai para dois baldes colocados estrategicamente ao lado para não haver desperdício – para que será que a família de Haruo usou aquela água? Ao fundo, o que parece ser um paiol e outra calha e outro tonel. É o tipo de cena que encanta as crianças, que ficam na janela olhando o temporal lá fora. Aliás, muitas das cenas que ele registrou lembram tardes da infância, quando há tempo e curiosidade para olhar o quintal da nossa casa com paciência de cientista ou de artista.

As fotos de Haruo são a cara de Lon­­­­drina e, ao mesmo tempo, po­­­­­deriam ter sido feitas em Nagasaki ou em Paris (nesse último caso, seriam fotos de Cartier-Bresson).

Ontem o carteiro me entregou o livro Haruo Ohara - Fotografias (Instituto Moreira Sales), comprado em uma livraria on-line. Tornou-se imediatamente meu livro de fotografia favorito – e olha que eu gosto muito de fotografia. No livro, o organizador da seleção, Sergio Burgi, mata a charada da presença de um talento da arte fotográfica em um interior brasileiro que nascia do zero. Diz Burgi que o "antagonismo brasileiro entre o arcaico e o moderno não resiste ao surgimento de uma nova personagem": o imigrante que vem de outra cultura e que se instala no ambiente que o Brasil lhes oferecia.

No caso de Haruo, como da maioria dos imigrantes japoneses, esse ambiente eram as terras a se­­­­rem desbravadas e onde se esperava que todos eles se tornassem agricultores. Ele cumpriu esse destino de forma consciente, vivendo-o e registrando-o, de forma que sobrevivesse mais tempo. Talvez tenha sido a experiência de imigrante que deu a Haruo a compreensão da transitoriedade das coisas e de que, no seu devido tempo, tudo vira História, seja para um país ou para o indivíduo.

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