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O tempo é nossa grande questão, o maior nó na garganta, a maior angústia no peito. Se temos de sobra, nos angustiamos (Duvida? Então observe os adolescentes). Se temos de menos, nos angustiamos. É com o tempo dos relógios e calendários que medimos se estamos indo ou se estamos parando. Até uma certa altura da vida, sempre sentimos que estamos indo. Às vezes para frente, às vezes em ziguezague. Mas indo.

Depois vem uma dúvida. Estamos indo mesmo? É que há várias formas de ir, mas coletivamente, só enxergamos aquela que está relacionada à juventude, que é a da produção, do dinheiro. São anos se preparando para produzir, depois outros tantos anos produzindo e depois vem a aposentadoria. E aí acabou. Acabou porque é a lógica da produção que está medindo o tempo e o percurso.

Tudo isso é abstração que inventamos. Acreditamos tanto nessas abstrações – tempo, percurso, avanços e retrocessos, dinheiro – que vivemos de acordo com elas. O ser humano é muito bom em inventar ideias, conceitos, lendas, e depois acreditar no que inventou. Dizem até que é isso que nos distingue dos demais, ou seja, dos bichos. É por isso que meus gatos e meu cachorro e os saguis que vêm comer banana no quintal parecem mais felizes do que eu. Porque apenas vivem cada momento e não esperam ter que ir a algum lugar ou inventar algo extraordinário a cada dia.

Quando fiz 50 anos vários amigos me perguntaram se me perturbei. Por que a partir dos 50 anos você está mais pra lá do que pra cá. Não preciso me explicar, não é?

Pode ser apenas comigo, pode ser que não. O fato é que no raciocínio linear que a ideia de tempo gera, que me localiza em um determinado ponto com um tanto de vida atrás de mim e outro tanto supostamente na minha frente, o que me impressiona é o tanto que já vivi. Ou melhor, o que me impressiona não é só o que eu vivi, mas também o que toda a humanidade já vivenciou. Tem tanto que eu quero saber sobre as últimas décadas, talvez sobre os últimos séculos, que é como se houvesse uma bolha de vida gigantesca lá atrás, que eu arrasto comigo enquanto avanço por esse caminho que o relógio e a biologia me obrigam a percorrer.

A nossa medição do tempo pode ser linear, mas a vida não é. Vamos e voltamos várias vezes ao dia. À noite, antes de dormir, embarco em um navio cargueiro rumo a Londres, temendo os submarinos nazistas. Quem me leva é Robert Capa, que está me contando como foi cobrir a Segunda Guerra Mundial na Europa. À tarde vivo a vida das donas de casa do Brasil dos anos 50 quando folheio uma edição da revista Senhor e vejo aqueles anúncios otimistas quanto ao Brasil e machistas quanto às mulheres.

Estou feliz aqui, neste violento ano de 2016 e quero ir e vir pelos rastros dos que chegaram antes. Quero viver um pouco da vida deles porque, no fundo, é tudo uma coisa só. Essas separações, esses compartimentos chamados anos e gerações e tempo, minha vida e sua vida, são ilusões que nos limitam. Quanto ao corpo, ele envelhece e isso nos liberta de rumar sempre em frente, correndo, ansiosos. Obrigada a reconhecer que nada posso contra o tempo, mergulho nele e presente, passado e futuro se tornam uma coisa só.

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