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Marleth Silva

Os cães e a cidade

Os quintais eram por excelência o espaço dos animais domésticos. Cachorros e gatos sumiam durante horas entre árvores, hortas, canteiros, edículas e ressurgiam quando a fome apertava. Hoje os quintais desapareceram ou se tornaram pequenos espaços que são designados por outros nomes: pátio, área externa ou simplesmente “lá fora”. Sem poder brincar “lá fora”, nossos gatos e cachorros avançaram mais uma casa em sua linha evolutiva. Agora, além de domésticos, são caseiros: dormem nos sofás, escalam poltronas, arranham colchões, bebem água na pia do banheiro. Cães, gatos e até pássaros se tornaram amigos íntimos dos humanos porque eles coabitam nossas moradas.

Esta é a minha tese para explicar por que tantas pessoas consideram seus animais como membros da família. É a proximidade física, o compartilhamento do espaço, o ombro a ombro permanente que nos tornou íntimos. Sempre houve pessoas apaixonadas por animais, mas havia muitas mais que apenas conviviam com eles, digamos, en passant. Agora a turma que é íntima do mundo animal prevalece.

Agora, além de domésticos, os animais são caseiros

Bill Bryson é um dos autores mais divertidos que já li. No livro Em Casa, ele não é engraçado, mas detalhista. Conta a história da moradia na Inglaterra desde o tempo em que os primeiros habitantes da ilha saíram das cavernas e começaram a fazer arranjos de pedras que se pareciam com casas. Lá dentro, dividindo espaço e calor com os antepassados de Bill Bryson, estavam os animais domésticos. Dormiam todos juntos protegidos do frio, da chuva e dos animais selvagens. Só mais tarde surgiriam os currais, galinheiros e estábulos.

Em relação aos cães e gatos, voltamos a viver como a turma das casas de pedra: embaixo do mesmo teto.

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Em cada esquina um pet shop, em cada bairro uma megastore de produtos para animais domésticos.

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A relação com os animais de estimação (e mesmo as nossas razões para não tê-los) dizem muito sobre nós. Um exemplo perfeito é o extravagante, lascivo, permissivo e original Lorde Byron, poeta romântico que colecionava bichos e amantes e, mais cedo ou mais tarde, abandonava todos, bichos e amantes. Shelley, que foi vê-lo em seu palácio em Veneza, descreveu assim o ambiente:

“A residência de Lorde B. consiste, além dos criados, em dez cavalos, oito cachorros enormes, três macacos, cinco gatos, uma águia, uma gralha e um falcão; e todos esses, com exceção dos cavalos, passeiam pela casa, que, de vez em quando, ressoa com suas altercações sem controle, como se eles fossem os donos dela... depois descubro que minha enumeração dos animais nesse palácio circense foi deficiente; acabei de encontrar, na grande escada, cinco pavões, duas galinhas-d’angola e um grou egípcio.” Quando o lorde foi embora de Veneza, deixou para trás uma péssima reputação, dívidas e vários animais mal acostumados.

O registro de Shelley está no livro Byron Apaixonado, de Edna O’Brien, que recria a vida do poeta. Uma vida e tanto. Quanto aos poemas, não posso comentar porque só li uns versos aqui e outros acolá. Os livros de Byron desapareceram das livrarias brasileiras.

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