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Segundo Marisa, ela era uma chatinha quando tinha 20 anos (agora chegou aos 40). Por que você era chatinha? – pergunto à minha amiga. Ela explica: era chatinha porque se achava muito inteligente e confiava plenamente que teria grandes feitos pela frente. Em resumo, aos 20 anos a Marisa se achava a tal.

Saio em defesa da menina de 20 anos. Se alguém nessa idade não sonha com grandes feitos, algo errado há. É aquele velho papo que continua fazendo sentido: se você tem a vida toda pela frente... Além do mais, aos 20 a maioria ainda não levou muita bordoada, não foi muito testado. Há que ser "chatinho", portanto. É de direito, poderia estar em uma constituição não escrita, no direito consuetudinário: "Todo brasileiro nesta faixa etária tem direito a se achar o tal, gabar-se internamente de seu potencial e sonhar diariamente com seu futuro brilhante". Estaríamos apenas oficializando o que é natural.

Delicada mesmo é a situação de quem está na subcategoria dos "prodígios": aquele que atinge uma posição, digamos, invejável aos 20 e poucos anos e aí se convence de que é especial. Ele não será o tal, um dia. Ele já é – portanto, o que era uma chatice ingênua, sub-reptícia, torna-se pretensão e gabolice. Nada que alguns anos de vida, o sobe e desce previsível, não tratem de aparar.

O perigoso é continuar assim, cheio de si, aos 40, aos 50 ou 60. As circunstâncias – reais e imaginárias – vão mostrando que o céu não é o limite. Não naquele sentido concreto e material que povoa nossa cabeça aos 20 anos. Há circunstancias reais de nascimento, que impõem limitações: nasceu pobre? No interior de qualquer país pobre ou "em desenvolvimento"? Então, as limitações são reais. Aliás, até o ano em que nascemos pesa. O jovenzinho chatinho que entrou no mercado de trabalho nos anos 80 teve que dar muito duro e contar com um tanto de sorte para estar em uma situação segura e confortável hoje. Muitos daquela geração ficaram pelo caminho – ou, mais precisamente, rumaram para os aeroportos e foram lavar banheiro no Hemisfério Norte.

E há as limitações pessoais: as inseguranças de alguns, o excesso de zelo, a timidez ou a arrogância, a inconstância. Mesmo quem atinge uma posição invejável pelos seus pares deixa pedaços pelo caminho. É parte do processo deixar pedaços pelo caminho. Acho até que pode ser bem positivo. Vai nos permitir viajar mais leves – há algo mais pesado do que as pretensões, os orgulhos, as tradições? E as grandes ambições, então? Animam a pessoa a trabalhar, é verdade, mas também podem ser vistas como formas de escravidão.

Mas já estou falando dos neuróticos de 40 ou 60 anos e deixei os chatinhos de 20 anos para trás. Estes estão perdoados por sua presunção e rigor (sim, aos 20 anos as pessoas acreditam no preto no branco, são radicais e até reacionárias). Têm todo direito. Se tiverem juízo, tratarão de serem felizes sem se levar muito a sério. Enquanto isso, tenhamos paciência com eles.

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