| Foto: Felipe Lima, sobre obra de Modigliani

O quadro Homem Sentado foi pintado há quase 100 anos por Amadeo Modigliani, pintor italiano que morreu na miséria. Mostra um elegante senhor de terno escuro e chapéu que se apoia em uma bengala. Pertencia a um antiquário judeu chamado Stettiner, que vivia em Paris. Durante a Segunda Guerra Mundial, o quadro foi levado por soldados nazistas. Foi vendido algumas vezes até aparecer em um leilão de arte, em Londres, cotado em US$ 25 milhões. Desde então se sabe onde o quadro está (em um depósito na Suíça), mas aqueles que pretendiam leiloá-lo (a milionária família Nahmad, que vive em Mônaco e é dona de 300 Picassos) dizia que o Modigliani não lhe pertencia, mas sim a uma empresa cujos donos eles desconheciam.

CARREGANDO :)

Nesta semana os “Panama Papers” mostraram que a empresa dona do Modigliani é uma offshore que pertence a quem? Aos Nahmad, que agora não podem mais negar que estão com Homem Sentado, mas desafiam os herdeiros de Stettiner a mostrar o recibo da compra feita nos anos 30. Será que uma família judia em fuga da Paris invadida pelos nazistas conseguiu preservar esse pedaço de papel?

As empresas e as contas bancárias são legais, mas os propósitos são escusos

Publicidade
Veja também
  • A cidade e a vida (2 e 3 de abril de 2016)
  • As nem tão santas mãezinhas (26 e 27 de março de 2016)

Os papeis do Panamá, ou “Panama Papers”, são documentos gerados nos últimos 40 anos pela firma Mossack Fonseca, um escritório de advocacia especializado em criar e administrar empresas offshore (empresas ou contas bancárias em paraísos fiscais). Estes documentos foram desviados por alguém de dentro do escritório na Cidade do Panamá e entregues a um jornal alemão, que, diante da enorme quantidade de informação, propôs parceria ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, uma entidade sem fins lucrativos. Desde o dia 3 de abril, estão sendo publicadas em vários jornais do mundo as reportagens mostrando como o sistema funciona e quem são os privilegiados clientes. É um trabalho impressionante de reportagem.

A turma que esconde seus milhões no exterior, seja um milionário europeu ou o presidente da Câmara dos Deputados de um país sul-americano, se esconde. A Mossack Fonseca, segundo contou o jornal inglês The Guardian, oferecia para os mais ariscos a possibilidade de se comunicar através de contas de e-mail especialmente criadas com esse fim. Sem muita imaginação, os milionários usavam codinomes como Harry Potter, Ursinho Pooh e Isaac Asimov. “Asimov” é um advogado de Barcelona, que tem US$ 21 milhões em contas offshore. Foi acusado de evasão fiscal, mas não foi condenado.

E-mail enviado por “Harry Potter” para a firma Mossack Fonseca em que ele, de forma lacônica, pergunta sobre uma quantia da qual perdeu o rastro: “Você viu o dinheiro?” O advogado respondeu: “Caro Harry, recebemos o dinheiro”. E anotou o valor: US$ 25 mil.

Estamos falando de muita grana. Calcula-se que 8% do dinheiro do mundo está guardado nessas empresas offshore.

Publicidade

Os papéis da Mossak Fonseca revelam um mundo paralelo ao nosso, o circuito em que transita e se esconde o dinheiro dos muito ricos, mudando de um país para outro em empresas e contas bancárias criadas para protegê-los. Protegê-los do quê? A princípio, dos impostos, mas pode ser também da polícia, da opinião pública ou de seus verdadeiros donos. As empresas e as contas bancárias são legais, mas os propósitos são escusos. Há entre os clientes um russo condenado por pedofilia e o negociante de arte que esconde o Modigliani roubado pelos nazistas. Tudo que o pedófilo e o negociante de arte fizeram usando essa firma foi legal.

Há dois anos, uma revista americana chamada Vice publicou uma reportagem sobre a Mossack Fonseca, chamada no texto de “escritório de direito que trabalha com oligarquias, lavagem de dinheiro e ditadores”. Uma sobrinha do senhor Mossack, Carolina, não gostou do tom acusatório e escreveu o seguinte comentário no espaço aberto para os leitores: “Eu vivo sem culpa e não dou a mínima para vocês que estão debochando do meu tio e do Panamá. Nós somos um país feliz onde ninguém trabalha porque todos os seus calhordas trazem o dinheiro sujo deles para cá. LOL. Nós só gastamos [o dinheiro]. São os seus governos que estão fazendo crimes. Nós somos apenas advogados e não nos importamos. ”

Ainda está lá, para quem quiser ler e sentir engulho.