A chuva de quinta-feira à noite me colocou na categoria de vítima de acidentes naturais. No meu caso, o acidente natural foi a combinação entre a chuva torrencial e a topografia de Curitiba, que cria umas baixadas que nunca notamos até o dia em que nosso automóvel sai boiando na água acumulada sobre a via pública. Sou uma vítima que não pode se queixar: na mesma noite, teve gente que perdeu a casa. Eu vivi uma experiência pitoresca ou traumática, dependendo do ponto de vista. Só isso.
Foi um susto perceber que aquilo estava acontecendo comigo. Eu e meus dois filhos, voltando às pressas para casa para fechar uma janela deixada aberta, fomos interrompidos pelo lago que se formou em um cruzamento. Os automóveis não ousavam passar. Nós viramos à direita e rodamos mais uma quadra na, agora assustadora para mim, Rua Saldanha Marinho.
Uma linda via, diga-se de passagem, especialmente naquela quadra próxima à Praça Espanha que, segundo relato dos moradores, alaga sempre que a chuva é pesada. Foi ali que percebi que não dava para ir em frente e decidi subir na calçada. Até subi, mas a água também subiu. Automóveis balançavam mais à frente, abandonados no meio da rua, como naquelas cenas de filmes sobre o fim do mundo ou guerras nucleares.
O meu automóvel também começou a balançar e percebi que estava girando. Os meninos gritaram que a água estava entrando e se desesperaram. Lembrei do caso daquele senhor que morreu dentro de um carro, em uma rua alagada de Belo Horizonte, ano passado me recordo de ter achado que aquela era uma forma absurda de se morrer. A porta do meu lado travou. Mandei os meninos sairem por trás (a frente do carro estava afundando) e eles me ajudaram a sair. Fomos em busca de um lugar mais alto, o que encontramos a poucos metros a enxurrada nos pegou no ponto mais baixo da rua e logo ali em frente a via voltava a se elevar.
Fomos ajudados por moradores da Saldanha, simpáticos e corajosos moradores da Saldanha, que resistem às chuvas sazonais com uma galhardia impressionante. Para desabafar, alguns reclamam da administração municipal o que é pouco, diante dos estragos absurdos e dos apartamentos alagados. Entrei em um desses imóveis. Lá estava um casal secando o chão. Duas pessoas que têm estabelecimentos comerciais naquela quadra apareceram depois que a água baixou, desconfiados de que a chuva teria feito estragos. Ambos me perguntaram (eu estava parada na rua, esperando o guincho) se tinha havido inundação. Respondi que sim e os dois foram embora, dizendo que era tarde demais para fazer alguma coisa.
Esse povo da Saldanha tem sangue frio. E são gentis. Um comerciante abriu a porta para nos livrarmos da chuva e usarmos o telefone. Deixamos suas toalhas de banho ensopadas e o chão molhado. O menino Lucca foi atrás de meus filhos e os chamou para entrar Lucca, voltaremos para devolver suas roupas. Priscila e seu pai, o sr. Odair, me deram abrigo enquanto aguardava o guincho (1h30 de espera) e o táxi (mais 40 minutos) Priscila, assim que possível, vou aí pegar minha árvore de Natal recém adquirida, que você ajudou a resgatar do porta-malas.
Era uma da manhã quando cheguei em casa para fechar a maldita janela que estava aberta. Descobri que por ela não entrou uma só gota de água. Mas entrou uma enxurrada por baixo da porta e inundou uma parte da casa. Para mim também era tarde demais para fazer alguma coisa. Fui ver meus filhos, para quem terminar a noite acomodados em camas improvisadas na sala de avó, vendo tevê até depois da meia-noite, foi suficiente para resgatar o bom humor.
Também manteve o bom humor o vizinho que foi despertado para abrir um portão, já que meu controle remoto, assim como o celular, molhou e não funciona. Não só não reclamou do incômodo como agora está empenhado em achar uma forma de evitar alagamentos na minha casa. Também não perdeu o bom humor meu irmão, que foi me fazer companhia lá na Saldanha. Em resumo, não tenho do que me queixar.