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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Ao entrar na sala onde o pinheirinho cintilava, ele era recebido pelos acordes do samba: "Pela porta aberta / De um coração descuidado / Entrou um amor em hora incerta / Que nunca deveria ter entrado". Luiz Ayrão, mais uma vez. Era um mistério natalino, da mesma grandeza da estrela de Belém. Por que o cunhado ouvia samba na noite de Natal? Não demonstrava nenhum interesse pelo ritmo no resto do ano, mas na noite de 24 de dezembro, na tradicional ceia que oferecia para os da casa, mais os sogros e cunhados, o samba rolava solto.

"Chegou, tomou conta da casa / Fez o que bem quis e saiu" – ele ia reconhecendo os versos. Bons versos – admitia –, mas na noite de Natal! Por que não Noite Feliz? Por que não Frank Sinatra, Bing Crosby, Harry Connick Jr.?

Dias antes, na festa de fim de ano da firma, compartilhou seu inconformismo com os colegas. Ninguém achou nada de mais em comer peru ouvindo Luiz Ayrão. Todos tinham histórias parecidas: a avó da Isadora fazia questão de música gauchesca no almoço do dia 25. O pai do Paulo colocava o Jamelão para animar a família com seu conformismo sofrido: "Quem sou eu / Pra ter direitos exclusivos sobre ela / Se eu não posso sustentar os sonhos dela / Se nada tenho e cada um vale o que tem". Animar talvez não seja a palavra certa...

Luiz Ayrão gravou Porta Aberta em 1973. É uma homenagem à Portela. O homem abandonado é consolado pelo amigo, que sugere a alegria do samba portelense como escape para o sofrimento: "Por isso a nostalgia tomou conta de mim / Mas um amigo percebeu e disse assim / Para que tanta tristeza, rapaz? / Acabe com ela e vem comigo conhecer a Portela".

Copo de vinho na mão, ele se sentou ao lado do novo aparelho de som do cunhado para prestar atenção no Luiz Ayrão. Era um daqueles tudo-em-um; toca vinil, CD, fita cassete e mídias digitais. Aliás, de onde vinha a voz do sambista? De um pen drive discreto. Não era de um LP, como ele imaginava. "O samba fez milagre e reabriu meu coração para a Portela entrar."

"Você também gosta de Luiz Ayrão?" Era o cunhado, jogando-se no sofá ao lado dele, o rosto afogueado de anfitrião que corre de um lado para o outro para atender os convidados.

Ia gaguejar uma resposta, mas o cunhado continuou. "Espera pra ver a próxima. Um tesouro." Aos primeiros acordes, já saiu cantando: "Qualquer dia, qualquer hora / A gente se encontra / Seja onde for, pra falar de amor".

Era naquela hora ou nunca. Virou para o cunhado, que de olhos fechados, mãos cruzadas na nuca, balançava a cabeça no ritmo lento da música. Por que ele tocava Luiz Ayrão todo Natal? Por que não canções natalinas? Algumas cabeças se viraram, os jovens da família esperavam a resposta. Pelo jeito aguardavam há anos por aquele momento, por aquela resposta: por que Luiz Ayrão na noite de Jingle Bells?

O cunhado abriu os olhos, mas continuou imóvel. "Fico muito emotivo no Natal. Se tocar música natalina, vou chorar." Silêncio na sala. Os queixos caídos dos adolescentes revelavam a surpresa diante da revelada sensibilidade natalina do tio mais velho, o mais durão da família. "Oh, tio, mas por que não experimenta uns sambistas mais novos, um Zeca Pagodinho, um Dudu Nobre?"

O tiozão não se abalou. "Esses eu não sei de cor, não vou poder cantar. Minha memória é fraca, não decoro nada desde que fiz 30 anos."

Silêncio de novo. Os adolescentes foram se servir de sobremesa. O assunto estava encerrado. Natal é uma vez só por ano e o Luiz Ayrão até que é bem bacana.

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