| Foto: Felipe Lima

Está escrito na capa do livro que ele é o "primeiro lugar na lista do New York Times. Com esse título? Qual o título? Vai dormir, p*##@. Não fui eu que inventei os sinais para substituir o palavrão. Foi o autor do livro, Adam Mansback.Confiro. De fato, Vai dormir, p*##@ é o primeiro em uma das listas de mais vendidos do jornal mais famoso do mundo, que mantém várias delas. Segue o padrão dos livros infantis, com ilustrações e textinhos curtos em forma de versinhos. Só que é livro para adultos. Mais precisamente para adultos que um dia tentaram fazer uma criança dormir e perderam a batalha. O pai-narrador tenta ser "fofinho", falando em bichinhos, leitinho e anjinho. Mas termina cada página com um "vai dormir, p*##@". Obra não recomendada para crianças, é claro. Por isso o livro vende tão bem: quem é que não se solidariza com o pai que fica uma hora do lado do filho, falando no diminutivo e mostrando desenhos fofinhos e o pestinha insiste em ficar acordado?

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Crianças não querem que o dia acabe. Parecem não estar convencidas de que depois do sono virá outro dia. Discuti o assunto com um menino. Ele me explicou sua teoria sobre o tema: as crianças não querem crescer e acham que não indo dormir enganam o tempo. Como se dissessem para o tempo:

– Ei, eu nem dormi! O dia não acabou, portanto! E não preciso crescer nem um pouquinho que seja.

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(Aliás, cá entre nós, cada um a seu modo, adolescentes e adultos também não fazem isso? Viver a vida em ritmo acelerado, por exemplo, não é um artifício para tentar enganar o tempo?)

Desconfio que, lá no fundo, as crianças também fazem aquela frescura toda para aproveitar a companhia do pai ou da mãe que está ao seu lado. Pense bem: quando você tem quatro, cinco, seis anos, tem coisa melhor que ter o pai ou a mãe ao seu lado, falando baixinho e contando história? Não tem. Talvez só nos demos conta disso em duas fases da vida: lá na infância, quando desfrutamos dessa companhia que parece perfeita e por isso grudamos nela, e lá na frente, quando não temos mais a companhia que agora sabemos que podia não ser perfeita, mas era tão especial...

Pelo que me lembro meu pai não tinha muita imaginação. Contava sempre o mesmo enredo com três personagens (podiam ser os três porquinhos ou Huguinho, Zezinho e Luizinho). Funcionava, porque a audiência dele era formada por três menininhas, que se identificavam com o trio de personagem fossem eles porcos ou patos. Quando ele cansava e nós não dávamos sinais de encerrar a sessão coruja, ele fazia um "vaca amarela...". Desconfio que era o correspondente ao "vai dormir, p*##@", do Adam Mansback. Não funcionava muito bem, vinham os risinhos e as provocações, mas uma hora a gente desistia ou era vencida pelo cansaço. E meu pai podia dormir.

Há algo incrivelmente poderoso no homem que inventa historinhas bobas para crianças, que oferece a elas a firmeza de seu corpo e de sua presença – em contraposição à delicadeza e suavidade da mãe. Não importa que se desesperem às vezes e soltem um "vai dormir, p*##@". Pais são homens em seu grande momento.

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