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Uma multidão se aperta no saguão do aeroporto Afonso Pena, à espera do embarque do voo para Londrina, que está atrasado. De repente, de um lugar indefinido, vem o som de um rap, uma voz de homem gritando, em inglês, bobagens de conotação sexual que não ficaria bem eu registrar aqui. Cabeças se viram automaticamente para descobrir quem usou aquele arranjo moderno e chamativo como toque do celular. E lá está ele, um octogenário pequenino que olha com ar concentrado para o aparelho que segura na mão esquerda, enquanto a mão direita fica suspensa no ar, dedo indicador pronto para teclar – aparentemente ele não sabia muito bem que fazer com a maquininha barulhenta. Lá dentro da minha cabeça, me solidarizei com o homem. Dia desses, também passei uma vergonha e tanto por causa de meu celular. Se conto o episódio para você, leitor, é porque tenho esperança de não sermos – eu e o senhorzinho que vi no aeroporto – os únicos a passar por essas situações.

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Um tanto por falta de tempo e outro bom tanto por falta de interesse, não exploro o aparelho de celular como ele exige. Ou seja, compro a máquina, aprendo a ligar e desligar e passo a usá-la. De vez em quanto, preciso de algum serviço novo, como o despertador, e aí tento entender como usá-lo. Só isso.

Sendo assim, obviamente não presto atenção no toque do celular. Esse foi o meu erro, minha ruína. Uma tarde, o celular tocou e eu não ouvi. De repente, ele desandou a liberar uma voz miúda e arrastada cantando um lamento romântico e triste. Todos que estavam no local – inclusive eu – viraram-se para descobrir de onde vinha aquele som alto e fora de propósito. Vinha da minha mesa de trabalho, mais precisamente do meu celular. Eu não sabia, mas depois de alguns acordes iniciais que não comprometem a reputação de ninguém, o toque que estava programado se transformava em... Michael Jackson.

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Assim que sobrou um tempo, arranquei Michael Jackson e o substitui por um burocrático toque de telefone tradicional, que a companhia telefônica deve ter colocado lá para os que querem passar despercebidos.

A questão é que enquanto alguns se divertem explorando as possibilidades de seus aparelhos e até incrementando-os com novidades baixadas da internet que dão um toque mais pessoal para a máquina, outros – preguiçosos, sem habilidade, ou com tendência a luddite – se limitam ao básico. E passam vergonha, como eu e meu companheiro do Afonso Pena.

Não chego a me considerar um luddite, que eram os membros de um movimento inglês de protesto contra a industrialização, que destruíam máquinas. Quando destruo máquinas é exatamente por não saber lidar com elas. Mas que elas nem exercem nenhum fascínio sobre mim, isso lá é verdade.

Acho divertido imaginar que um dia os luddites voltarão. Não para destruir todas as máquinas, mas para exigir que as pessoas as usem com moderação, especialmente em locais públicos, onde compartilhamos involuntariamente das idiossincrasias uns dos outros, inclusive do gosto musical. Os novos luddites virão atrás de mim e exigirão que troque a cançãozinha romântica do Michael Jackson por algo que tenha, no mínimo, mais balanço, como Thriller, por exemplo. Prometo não resistir.

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