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A integração do planeta, na esfera da literatura, se deu com a hegemonia total do romance, gênero antes essencialmente eurocêntrico, e que passa a contar com tradições periféricas. É de sua condição de romancista formado na Turquia, num meio então sem modernidade narrativa e sem um público leitor consolidado, que Orhan Pamuk propõe a sua teoria do romance em O Romancista Ingênuo e o Sentimental. Nascida das prestigiosas conferências Norton da Universidade de Harvard, esta obra apresenta muito mais do que técnicas de redação criativa, funcionando como uma defesa apaixonante do gênero.

É a um só tempo um livro de teoria e uma autobiografia intelectual, apontando a tensão constante entre opostos como uma das marcas deste autor. O próprio título remete a esta duplicidade. Valendo-se de um ensaio de Friedrich Schiller, "Sobre poesia ingênua e sentimental", ele se apropria da distinção entre um escritor ingênuo, que não pensa sobre o fazer literário e suas implicações estéticas, e o autor sentimental (que seria consciente), para negar tais radicalizações: "O romancista exerce a arte de ser ao mesmo tempo ingênuo e reflexivo" (p. 16). Pamuk fala do ato de escrever, mas principalmente do ato de ler, vendo-os como indissociáveis. Assim, o bom leitor nunca é o ingênuo ou o especialista, aquele que lê tudo como autobiografia e o outro que lê tudo como constructo de linguagem: "Devo alertá-los que mantenham distância destas pessoas, pois elas são imunes às alegrias do romance" (p.45). Aqui também é o equilíbrio entre os dois polos que produz o leitor ideal, que consegue se deixar encantar intensamente pela história, fazendo uma busca do centro móvel e mutante do romance. Este centro é o que faz do romance literatura: "uma profunda opinião ou insight sobre a vida, um ponto de mistério, real ou imaginado, profundamente entranhado" (p.109). É o jogo de enigma que toda grande narrativa nos propõe, e que nos leva a tentar entender o livro ao mesmo tempo em que tentamos entender o mundo.

Negando a lógica do entretenimento e dos estudos de linguagem, Orhan Pamuk dota a escrita/leitura do romance de um sentido poderoso, tomando a presença forte deste gênero no mundo contemporâneo como uma espécie de religião secular, um paraíso pela linguagem onde exercitamos outras identidades, deslocando-nos de nossos mirantes para ver o mundo, em total adesão emocional mas com instrumentos críticos, do ponto de vista das personagens.

Sua proposta tem um otimismo raro num período apocalíptico. Quando muitos insistem na morte do romance, no fim da era da grande literatura, na negação do eu, o romancista reafirma a sua crença na conquista de uma alegria por meio da narrativa, uma alegria que tem uma função reveladora, pois no coloca em contraste e/ou em conexão com outras experiências de ser.

A sua origem oriental, mas sem resquícios de xenofobia, permitiu que Pamuk desenvolvesse uma postura sob o signo do duplo. O romance é linguagem e também vida. É uma recolha do mundo concreto e construção imaginária. Funciona como um museu das experiências no tempo e no espaço. É extremamente individual e político. Tem uma natureza mental e visual, aproximando-se assim da pintura.

Por esta abertura, o romance aceita todos os gêneros textuais, trazendo as marcas de um tempo em que não existem centralidades. Por isso o romancista o vê como o grande canal de comunicação dentro e fora do Ocidente, como ponto de encontro entre mundos opostos.

Serviço:O Romancista Ingênuo e o Sentimental, de Orhan Pamuk. Tradução de Hildegard Feist. Companhia das Letras, 150 págs. R$ 34. Ensaios.

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