Luiz Vilela constrói romance baseado na oralidade comum em seus contos| Foto: Divulgação

Fiel ao recurso do diálogo, marca de seus contos, Luiz Vilela (Ituiutaba, 1942) escreve agora um romance – Perdição (Record, 2011) – em que quase tudo se passa no interior das conversas que o narrador, o jornalista Ramon, tem com amigos, conhecidos e visitantes de uma cidade mineira fictícia chamada Flor do Campo. O relato desvia a ação para o terreno da oralidade. E este deslocamento cria um efeito muito moderno, o de não conceder certezas ao leitor quanto ao que motiva os acontecimentos. Quase tudo chega ao narrador de forma indireta, pela versão que os personagens criam sobre os fatos, versões em conflito, ora exageradamente falsas ora mais plausíveis.

CARREGANDO :)

Nesse sentido, o romance é a história de uma busca. Da busca da verdade sobre a trajetória de um jovem que, inicialmente sem ambição, levando uma vida humilde e honrosa, totalmente ligado à natureza – é um pescador –, vê-se seduzido por um estrangeiro que o convida para ser pastor de uma nova religião. Versão contemporânea da biografia do apóstolo Pedro, este relato mostra o jovem Leonardo no começo e no final da vida. Toda a sua saga como pastor Pedro, no Rio de Janeiro, nos chega ao narrador pela ótica alheia. Ele nunca consegue saber o que se passou de fato, nem quando se encontra com Leonardo, este já intelectualmente transtornado. Tudo são suposições. Diz Ramon sobre a verdade: "Jamais saberíamos" (p.372).

Ramon e Leonardo são amigos de infância, o que move o primeiro deles a tentar compreender o amigo que se aventura num caminho de exploração da ingenuidade humana. Ramon não encontrará nada além das hipóteses, mas o seu interesse, as renúncias que faz em nome do amigo, as longas conversas para tentar extrair alguma informação sobre ele, a preocupação com o seu sofrimento etc., isso é o que ele pode fazer pelo outro.

Publicidade

Nessas longas palestras, que seguem em várias direções, Ramon vai desmascarando a sociedade. A sensação que se tem é de que todos falam muito, inventam coisas, mentem para si mesmos e para os outros, numa prática descarada da hipocrisia. Assim, o fato de o pastor Pedro ludibriar as pessoas não é uma exceção à regra, é apenas a profissionalização deste impulso natural do homem, que promove o engano e se autoengana.

Em contraponto, Ramon ou fica quieto (ele repete constantemente um som que indica uma dúvida silenciosa: "Hum") ou parte para a ironia. Por isso, há muitos momentos de humor no livro, momentos em que o narrador não resiste a trocadilhos, a zombarias e a ditos espirituosos, colocando em xeque as histórias que lhe são apresentadas como verdadeiras, sejam premonições ou relatos de graças conseguidas, sejam discursos políticos ou histórias forjadas de sucesso. O narrador passa em revista os mitos da cidade com um riso no canto dos lábios.

Muito mais do que desvelar os processos de exploração da fé alheia por conta de religiosos oportunistas, Perdição se fixa na predisposição das pessoas para um tipo de crença ingênua nas coisas mais improváveis: episódios folclóricos, relatos de milagres, maldições de curandeiros, mitificações de pessoas etc.

Num tempo de mentiras, em que só há versões, o romance nos apresenta uma pergunta: crer no quê? Ele parece sinalizar que só nos restam a natureza, os animais e insetos (há vários episódios em que eles são mencionados amorosamente) e uma atitude de amizade cada vez mais rara, mais difícil. O pescador Leonardo se perde ao tornar-se o pastor Pedro, mas em sua trajetória de retorno, que guarda um final trágico, ele restaura a antiga personalidade, integrando-se ao lago de onde vinha o seu sustento. E é como um peixe que ele é retirado das águas por parentes e amigos. Simbolicamente, como uma baleia morta.

Com uma fatura realista, um uso musical da linguagem, num estilo literário da oralidade, Luiz Vilela constrói o seu romance de maturidade, em que banal cotidiano dos personagens se manifesta como tragicomédia.

Publicidade

Serviço:

Perdição, de Luiz Vilela. Record, 400 págs. Romance.