Na maioria das vezes, o ensaio literário é uma forma de presunção intelectual. Fala-se para os pares, excluindo o maior número de pessoas. Há também um desejo nunca confessado de fazer com que ele seja o substituto do livro ou dos livros a que remete. O trânsito das ideias tende a ser do crítico para o autor, pois aquele se vê como superior nesta cadeia alimentar. Em alguns casos, o texto analítico se desconecta totalmente da literatura, funcionando sozinho e no vazio.
Este modelo, além de não formar leitores para a literatura, ainda passa uma ideia de que esta é uma área irrelevante. Assim, o poder estaria na crítica, numa crítica que fez da autonomia uma anomalia. Mas o discurso analítico ainda pode dialogar com os leitores comuns, tornando-se vital para ele, ao mesmo tempo em que destaca o poder da literatura. É isso que se conclui da leitura prazerosa dos ensaios de William Deresiewicz Aprendi com Jane Austen (Rocco, 2011).
Aluno de mestrado em Nova York, Deresiewicz era um jovem pretensioso, que se sentia confortável nos valores da modernidade: "Tendo frequentado o altar do modernismo, com suas posturas arrogantes e seus altos conceitos de sentido filosófico, eu acreditava que a grande literatura deveria ser perturbadora e hermética" (p.41). As imagens de adoração neste altar eram James Joyce e Joseph Conrad, até ele encontrar um professor atípico, que o leva à romântica Jane Austen, ensinando-o a escutar os autores, a dialogar em intimidade com eles, para compreendê-los e não para negá-los. Este mestre o convence de que "os estudos literários não têm relação com o aprendizado de alguma linguagem secreta ou o domínio de um monte de filigranas teóricas" (p.104) e restabelece o contato com as formas tradicionais de leitura.
Isso faz com que objeto de estudo de Deresiewicz mude imediatamente; ele passa a habitar os romances de Austen. Ao se dedicar de forma não preconceituosa a livros de outra época para escrever sua dissertação, o rapaz imaturo, em conflito com o pai, sem um lugar no mundo, obtém muito mais do que um ensaio acadêmico, pois descobre com a autora que "aprender a ler significa aprender a viver" (p.108). Assim, a pós-graduação, para além de um lugar de adestramento de discurso, foi uma oportunidade de amadurecimento.
Aprendi com Jane Austen é um livro deslumbrante, em que a vida do crítico e a análise dos romances caminham juntas. Deresiewicz não usa a primeira pessoa apenas para tratar das obras, ele se apresenta autobiograficamente, sem perder a sua capacidade de compreensão e elucidação dos livros, demonstrando como foi encontrando caminhos existenciais por meio dos romances.
Educação sentimental e social que ajudou um homem de 30 anos a se tornar adulto, os romances de uma autora com "uma linguagem que não chama a atenção para si mesma em momento algum, que vai se desenrolando facilmente como a respiração" (p.24), encarnam o poder humanizador do literário, que não está nos jogos, nas experimentações de linguagem e muito menos nas suspensões éticas, e sim nas particularidades de quem viveu os seus livros e não apenas os escreveu.
Com estes ensaios, Deresiewicz restaura a importância do eu biográfico, repassando as lições aprendidas com seu mestre Karl Kroeber, a de que toda leitura é antes de tudo uma postura receptiva diante de uma obra e a de que a literatura nos ajuda a chegar a nós mesmos.
Serviço
Aprendi com Jane Austen, de William Deresiewicz. Tradução de André Pereira da Costa. Rocco, 256 págs. Ensaios.