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Rubem Fonseca: agilidade de linguagem é aliada dos contos do escritor | Michel Filho/Agência O Globo
Rubem Fonseca: agilidade de linguagem é aliada dos contos do escritor| Foto: Michel Filho/Agência O Globo

As narrativas de Rubem Fonseca (nascido em 1925) seguem a mecânica da ironia, com um desfecho na maioria das vezes violento – e é ainda isso que ocorre em sua mais recente coletânea de contos: Axilas e Outras Histórias Indecorosas. A ausência de decoro de que trata o título não está apenas nos temas declaradamente sexuais, mas também na maneira de os personagens se relacionarem socialmente. Seus anti-heróis são homens que, descrendo da humanidade, se afastam do bando e só são capturados pelo desejo. As histórias sideram ao redor dos temas de sempre desse autor central da cultura brasileira: paixão, morte, beleza, dinheiro, arte e solidão.

O melhor Rubem Fonseca é sempre o dos contos, gênero que ele domina com grande maestria. Se seus romances e novelas perdem um pouco da força pela extrema agilidade de linguagem, os contos têm nesse recurso um aliado. Tudo acontece muito ra­­pidamente nas suas histórias, numa representação das urgências da carne e da brevidade da vida num meio em que ela é desprovida de valor. Mesmo quando o personagem diz adorar uma mulher, ele tem necessidade de se livrar dela diante do menor pretexto. E faz isso com frieza. Ao sexo/paixão acalorado, com descrições de pequenas epifanias eróticas, se opõe o assassinato in­­variavelmente frio. Nessa diferença de temperatura residem as tensões das histórias de Fonseca.

Um conto atrás do outro, as paixões e as mortes (simbólicas ou reais) se sucedem, criando no leitor uma sensação de vazio, própria de uma era em que nada dura, nem as coisas nem os relacionamentos. A destruição do outro se dá também quando esse contraria o padrão. E temos aí a principal marca do volume: o conflito entre a beleza natural e a beleza conquistada por cirurgias plásticas. Agora, quem já envelheceu busca uma sobrevida no mercado erótico com plásticas que tentam enganar o tempo. O narrador de "O Misantropo" se rebela contra essa onda de falsificação da juventude: "Três coisas que odeio numa mulher: peitos com silicone; tatuagens e burrice" (p.204). Ele confessa que a aversão ao espírito de manada o torna mais inteligente, e mais exigente, levando-o a eliminar as mulheres que cometem tais pecados (para ele).

Os contos denunciam uma limpeza etária e estética, pois os narradores e outros assassinos estão sempre tirando a vida de quem foge ao modelo imperante. Matam-se homens e mulheres gordos, velhos e velhas, pessoas de meia-idade que tentam esconder a passagem do tempo, os fracos, os faltos de inteligência e os feios em geral. O personagem de "O Vendedor de Livros", que se faz assassino de aluguel, escancara o sentimento geral de nossa época: "Matar um bucho daqueles não deixaria ninguém com remorso" (p. 162).

Com seus narradores professorais, que dominam conhecimentos de Wikipédia, íntimos de grandes autores, sensíveis às coisas do espírito, e mesmo assim agindo preconceituosamente, extirpando tudo que não seja juventude, beleza e inteligência, Rubem Fonseca faz com que o leitor participe desse abjeto desejo de limpeza social. A avidez pelo prazer e a sua pouca duração ficam estampadas nas narrativas rápidas, que nos colocam diante de um processo consumista que se alastrou por tudo, forçando uma participação da lógica nazista de destruição do diferente. Seus contos amorais e/ou imorais nos lembram que "somos todos culpados, que não existem inocentes" (p.139), cumprindo, assim, ironicamente, uma função moral.

Serviço

Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca. Nova Fronteira: 2011, 216 págs. Contos.

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