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Como uma pessoa pode se colocar fora do tempo?

Este parece ser o centro do romance Ponto Ômega, de Don Dellilo. Na cena inicial, um acadêmico e um jovem documentarista são mostrados por um olhar anônimo durante a projeção de 24 Hour Psycho, instalação de Douglas Gordon, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Este vídeo exibe em ritmo de pesadelo, extremamente lento, o filme Psicose, de Alfred Hitchcock, fazendo com que os espectadores entrem em outra experiência cronológica, avessa à movimentação contínua da grande metrópole.

Esta instalação aparece no início e no fim do romance – sob o título de Anonimato. Conhecer minuciosamente os movimentos dos personagens ajudaria a compreender melhor as pulsões obscuras do ser humano? Eis o outro enigma proposto.

A partir do segundo capítulo, participamos da vida dos dois homens que visitam a instalação. Jim Finley, o documentarista, quer fazer um filme com o acadêmico Richard Elster, que foi conselheiro do Pentágono na Guerra do Iraque. Humanista, leitor dos poetas mais nobres, Elster usou o seu poder intelectual para sustentar com linguagem a guerra: "Era para isso que eu estava lá, para dar a ele palavras e significados" (p. 29), pois "o Estado precisa mentir" (p.28). O jovem quer que ele se confesse para a câmera, purgando assim seus tormentos interiores.

Embora negaceando, ele convida o jovem para passar uma temporada no deserto de Sonora, onde possui uma casa rústica. É nesta anticidade que transcorrem os capítulos centrais. O deserto, entre outras coisas, promove a suspensão do tempo. Aos poucos, Finley vai perdendo a noção dos dias, entrando num mundo de essencialidades, de comunhão com a ferocidade da paisagem: "As cidades foram construídas para medir o tempo, para retirar o tempo da natureza" (p.41). Há ali um desejo de anulação da história para se atingir o ponto ômega, uma espécie de comunhão com a matéria, sem consciência nem dor, "um salto para fora da biologia", uma volta para "a matéria inorgânica", para ser "como pedras no campo" (p.48).

Matar a consciência humana é ao mesmo tempo esquecer a participação a distância do grande ritual de morte que foi a guerra. Nesta parte do romance, há uma teorização sobre este afastamento. Elster é afetivamente falido – separado, tem problemas com os filhos do primeiro casamento (apelidados de Desastre e Ruína) e com uma filha em dificuldades. Esta também segue para o deserto, alguns dias depois, fugindo de um namorado perigoso e incógnito para os pais. Ela imediatamente gera uma energia erótica, atraindo o visitante e fugindo dele. Tudo é enigma neste romance, que culmina com o desaparecimento da moça, provavelmente assassinada.

Este fato faz com que o tempo seja novamente mensurado: "eu voltara a contar os dias, tal como fazia no começo" (p.76). Logo em seguida, Finley diz: "À noite, os cômodos eram relógios" (p.77), numa percepção de que não há um lugar onde o tempo possa ser cego, refratário à cidade. O provável crime coloca Nova York dentro do deserto, anexando-o à sua temporalidade, e o acadêmico que tentava neutralizar ali a sua culpa pela morte de inocentes é obrigado a reviver tudo a partir desta perda pessoal.

O projeto do filme que iria mostrar um rosto como se fosse alma, que daria respostas às desrazões da guerra, perde completamente o sentido. Finley conclui que "a história estava acontecendo ali, não no Iraque nem em Washington" (p.87), e que não há repostas, não há verdades, por mais que tentemos retardar o tempo para tentar compreender os episódios. Nova York não para nunca, conclui o narrador deste ótimo romance que é pura poesia.

Serviço:

Ponto Ômega, de Don Dellilo. Tradução de Paulo Henriques Britto. Companhia das Letras, 104 págs, R$ 31. Romance.

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