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Se fosse possível, os tímidos não falariam. Também gostariam de ser invisíveis. Esta seria a suprema felicidade: não ser visto e, ao mesmo tempo, poder observar o mundo, participar dele de forma discretíssima. Os tímidos amam as pessoas, as conversas, as reuniões, as festas, o único problema é que eles morrem de medo de passar por constrangimentos.

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Então criam defesas. Não po­­dendo ser invisíveis, eles tentam desenvolver uma couraça. Agem como se não estivessem ali. Mo­­vem-se sorrateiramente, esquivando-se de uma multidão que os atrapalha, uma multidão imaginária, mas que atravanca todos os caminhos. Por isso os tímidos estão sempre olhando para baixo, para não pisar nos pés de ninguém, desses ninguéns que só existem em nossas cabeças.

Sim, sou um dos tímidos e já passei por muitas provações.

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Tomar o elevador, por exemplo, é uma experiência muito difícil. Entro em um elevador cheio, sinto o hálito abafado, e logo procuro o painel que revela os andares. Por mais rápido que seja o elevador, a viagem acompanhada se faz lenta. Se alguém conversa durante o trajeto, sinto-me em pânico. Não quero essa proximidade tão grande com um desconhecido. Acho meio obsceno sa­­ber coisas da vida de alguém que não existe para mim. Grudo meus olhos no painel, melhor quando este fica no alto, daí posso focar um ponto acima da cabeça dos demais ocupantes daquele espaço coletivo.

Para os tímidos, os elevadores deveriam ser individuais.

Pior ainda é quando alguém faz um elogio público. Claro, em boa medida esses elogios são convencionais. O protocolo manda que se enalteça o trabalho do convidado. Participando de muitas situações formais, acabo ouvindo elogios. É o momento mais doloroso. Todos olhando para você, uma pessoa falando coisas sobre sua vida, sua trajetória, dizendo isso e aquilo do seu trabalho. Nas fotos que me revelam nesta circunstância, estou sempre com uma cara de assustado. Parece que a qualquer segundo vou sair correndo dali. Não saio, o tímido nunca é corajoso o suficiente para uma indelicadeza dessas.

Não sei também agradecer estes elogios. Deveria dizer umas tantas palavras doces, criando assim um clima diplomático. Mal consigo pronunciar um obrigado. Não fui feito para a urbanidade.

– Não vai me dizer que você não gosta de elogio? – me pergunta meu diabinho interior.

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Gosto. Todos gostam. Mas prefiro saber deste elogio por meio de outra pessoa. Ou identificar no silêncio de olhares de um interlocutor a sua admiração pelo que faço. Ou mesmo ler um texto que revela a dedicação carinhosa a algo que produzi. Mas não suporto o elogio direto, mesmo quando sei que ele é verdadeiro. Isso me queima o rosto. Sobe um calorão até minhas orelhas. Vem uma vontade de me desmaterializar.

Como tenho sido convidado para falar em eventos, e como sou incapaz de dizer não, principalmente se o convite for feito ao vivo ou por telefone, vejo-me desprotegido diante das apresentações oficiais. Então, quando começo a fala, estou completamente atordoado por minha timidez.

E tenho que corresponder ao perfil traçado por quem me apresentou. Não posso frustrar. Os tímidos desenvolvem com o tempo um senso se responsabilidade extremo.

Nestas situações, fico sempre com as mãos movendo-se em descompasso com o resto do corpo, com os olhos perdidos num ponto neutro, com contrações musculares na face. Estou funcionando fora de meu ritmo normal. Minha voz, que na intimidade é fraca, se faz ardida e muito alta. Enfim, o motor trabalha em rotação máxima.

Na hora das fotos oficiais dos eventos, eu não sei onde pôr as mãos. Os tímidos nunca sabem onde pôr as mãos. Mas o bom desse estágio é que tudo já acabou. Podemos voltar para o hotel, sair para jantar ou fazer qualquer outra coisa. Sobrevivemos.

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A vontade que dá é de beber até perder a consciência, para acordar no outro dia sem a menor lembrança da noite anterior. Mas não bebo tanto assim, e passo a noite me vi­­rando na cama, principalmente se for de um hotel. Recordo a face das pessoas, vejo-as irritadas comigo, tento entender a restrição ao que falei nas perguntas que me fizeram. A palestra não acabou. Passo a noite na mesma tensão.

Porque um tímido sofre até na presença da própria memória.