Agora que Curitiba vai ter circulando o “Azulão”, o ônibus de passageiros, segundo dizem, maior do mundo, está na hora de lembrar dos velhos bondes. Temos um bonde, na Rua XV, que nunca circulou pela cidade, juntando assim com outros acontecimentos que lembram o velho ditado: “fulano pegou o bonde errado!” É de ficar pensando se não pegamos algumas vezes o bonde da história errado. A foto é dos bondes na Praça Zacarias em 1948| Foto:
O Rio Belém cruzando a Rua Visconde de Guarapuava a céu aberto, com uma pinguela para transpô-lo. Foto de 1954
O Rio Bigorrilho corre com pouca água em um canal pela Rua Fernando Moreira, mais conhecida popularmente como a Rua do Rio. Junto com o Rio do Ivo, onde deságua, é responsável pelas grandes enchentes no centro da cidade. Foto de 1960
Escritórios da fábrica do Matte Leão na Avenida Getúlio Vargas em foto de 1946
Avenida Getúlio Vargas esquina com a Rua Piquirí onde vemos a fábrica de beneficiar erva-mate da firma Leão Junior, propriedade adquirida pela Igreja Universal recentemente. A foto é de 1948
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Verdade seja dita! Tem gente que enxerga longe aqui por estas bandas. Enxerga longe e não tem papas na língua na hora de espinafrar as mazelas administrativas. Como sempre digo: não vivo no passado, mas sim, vivo do passado. O tempo presente é o que nos importa, apesar de ele ter seus erros por não serem corrigidos na hora certa os acontecimentos de antanho. Agora mesmo dois jornalistas aqui da casa botaram a boca no trombone por inadvertências ocorridas em administrações passadas em Curitiba.

Em coluna assinada pelo Ricardo Medeiros com o título "O cheiro estragou o paraíso", o autor avalia a fedentina exalada pelos bueiros do centro da cidade. Outro jornalista, José Carlos Fernandes, com seu excelente texto, considera a demolição da fábrica da Matte Leão, na região do Rebouças, para dar lugar a mais um templo religioso.

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Nos últimos quarenta anos, Curitiba foi tomada por uma avalanche de acontecimentos embutidos em pílulas douradas que fizeram os curitibanos exclamarem: "Ora veja!", "Que beleza!", "Não me conte!", "Maravilha!" Em tudo isso contando com a colaboração adrede preparada por um forasteiro que nunca havia estado por aqui e que foi logo dizendo: "Curitiba é uma das três melhores cidades do mundo para se viver, as outras duas são: Roma e São Francisco". Essa última nos Estados Unidos, cidade natal do amigo do rei, digo: do prefeito.

O que posso afirmar ao colunista Ricardo Medeiros é que sou do tempo em que os rios curi­­­­­­­tibanos corriam a céu aberto e apenas alguns trechos centrais do Rio do Ivo e do Be­­­lém eram canalizados. Portanto, qualquer esgoto domiciliar despejado nos mesmos seria fácil de detectar. Aí veio o progresso. Vizinhei com os rios do Ivo e da Água Verde, onde, no meu tempo de piá, ia capturar rãs e barrigudinhos. Quando adulto, já casado, presenciei o asfaltamento da Rua Silva Jardim e vi, espantado, canos de esgoto serem arrebentados e seus dejetos serem dirigidos para os coletores das águas das chuvas.

Estacas foram batidas dentro do leito do Rio da Água Verde para a construção de um arranha-céu, com sua fachada voltada para a Avenida República Argentina. Isso com os favores de abracadabras e simsalabins de um engenheiro com livre trânsito nos gabinetes da prefeitura. Era o auge do boom imobiliário. Prédios surgiam como cogumelos, ruas e avenidas eram asfaltadas a toque de caixa. Na maioria das vezes, sem a devida atenção para com as obras complementares de saneamento. Curitiba cresceu que nem um repolho, irrigada pelos miasmas de águas mortas.

No outro lado do Atlântico, na Europa do pós-guerra, as cidades cresciam horizontalmente, se espraiando em longas extensões respeitando o direito de todos aos raios solares e a circulação do ar, com seus bulevares arborizados e ajardinados, em que temos como exemplo a cidade de Berlim, que, totalmente arrasada pela guerra, ressurgiu com esplendor arquitetônico ao qual se pode afirmar ser ecologicamente correto. Por aqui, a turma do "me engane por favor" acredita residir na Capital Ecológica, onde o feliz morador de um apartamento do vigésimo andar pode cuspir no prédio vizinho acertando a cama do morador do andar número dezenove. Isso é que é conforto!

Quanto à reportagem do José Carlos Fernandes, sobre o quarteirão onde funcionou a fábrica beneficiadora de erva-mate da Leão Junior – vendida para o arquimilionário Edir Macedo, a fim de ali se construir mais um departamento da Igreja Universal –, ela analisa a oportunidade perdida pelo Ippuc de preservar o conglomerado industrial como marco histórico da economia do mate.

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Acredito muito que a preservação de patrimônios e sítios ligados a nossa história deva ser realizada pela prefeitura, ou pelo governo estadual, com o devido ressarcimento à altura do valor real. Ocorre que tais preservações muitas vezes são feitas rasteiramente, na base do peitaço, em prejuízo aos proprietários. Os numerosos herdeiros da Matte Leão estariam satisfeitos em serem desapropriados pelo valor venal do imóvel? Acredito que não. Os 32 milhões de reais do bispo comprador falaram mais alto.