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rodrigo wolff apolloni

A arqueologia da crônica

Um fenômeno interessante do trabalho com a escrita, em especial quando você milita no campo da crônica jornalística ou literária, é o dos encontros com o eu documentado. Na era dos computadores em rede, naqueles momentos de narcisismo digital em que se vai ao Google pesquisar o próprio nome, é possível revisitar o que se fez ao longo dos últimos 20 anos. É quando você acessa um blog, o banco de textos de um jornal ou uma biblioteca digital e reencontra a própria forma de pensar e escrever de cinco, dez ou 15 anos atrás. E, graças à peculiar condição de reflexividade em afastamento – do eu que examina o eu como se olhasse para outra pessoa –, observa o quão móveis são as próprias ideias e a própria escrita e, por consequência, como é fluida a própria visão de mundo. E descobre que escrever para o tempo é, de fato, uma forma de liberdade e de ousadia.

Escrever para o tempo é, de fato, uma forma de liberdade e de ousadia

Se no campo das ideias “duras”, das opiniões políticas ou dos artigos acadêmicos, as produções deveriam guardar unidade ou assumir as consequências de sua própria mutabilidade, no da crônica é um pouco diferente, a começar pela riqueza do espectro temático. Ao menos nesta Gazeta, ao longo do tempo já produzi – e redescobri, com orgulho secreto ou vergonha ainda mais secreta – textos sobre temas tão diversos como as idiossincrasias curitibanas, os gatos, a culinária árabe, os discos voadores, os livros, o cinema, a fotografia e o carnaval. Verdadeiro bestiário temático que só é perdoado no campo da crônica ou da filosofia de gênios como Walter Benjamin ou Georg Simmel, que conseguiam amarrar os fenômenos com um fio invisível de lógica – o que, em definitivo, não é o meu caso. Minha lógica, meu fio condutor, é o estranhamento romântico permanente.

Em tudo isso, o mais intrigante é reencontrar textos que, por pura velhice, acabaram defenestrados da memória. Você lê, se encafifa com os assuntos e as frases (“Pôtz, fui eu mesmo que escrevi isso?!”), vive a fração de estranhamento e, de repente, seu cérebro resgata a memória (“Fui eu mesmo que escrevi isso. Pôtz!”).

E desse reencontro com o passado se inicia um diálogo que, no melhor dos mundos, servirá para depurar e sutilizar o processo literário – reflexões a mais, palavras a menos, vírgulas aplicadas assim, com uma elegância Zen. No pior dos mundos, há de seguir produzindo uma vergonha alheia própria um tanto esdrúxula em momentos de massagem literária ao ego. Algo que só vou descobrir daqui a cinco anos, quando reler este texto.

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