Começo a semana encantado pela leitura de O Castelo de Yodo, obra de Yasushi Inoue que trata do Japão do fim do século 16, período de consolidação da figura do samurai. Momento de chegada dos europeus e da introdução das armas de fogo, arcabuzes portugueses que causaram tremendo impacto em uma cultura guerreira de armas brancas. Momento da entrada em cena de Hideyoshi Toyotomi e Tokugawa Ieyasu, xoguns responsáveis, respectivamente, pelo fim da guerra civil e pela configuração de uma ditadura militar que governaria o Japão pelos 250 anos seguintes.
E é no personagem de Hideyoshi que fui encontrar, pela pena de Inoue, aquele minúsculo trecho que eu gostaria de ter escrito, uma historiazinha fantástica que sintetiza as idiossincrasias e o prazer que residem no poder absoluto.
Os arcabuzes portugueses causaram tremendo impacto em uma cultura guerreira de armas brancas
Conta Inoue que, em certa ocasião, entre um combate e outro, o xogum era entretido, em seu quartel-general, por uma apresentação teatral. Lá pelas tantas, um samurai a cavalo passa apressadamente diante do palco. Repreendido pelos áulicos de plantão por não desvestir o elmo diante de seu líder, o guerreiro responde que jamais faria isso para generais que se divertem em meio a uma guerra. Fala e segue em frente, altivo. Hideyoshi espera o espetáculo acabar e, secamente, ordena a seus imediatos que encontrem e decapitem o insolente.
Antes, porém, de a ordem ser cumprida, o líder muda de opinião. Convencido da coragem do soldado, determina aos assessores que o localizem e ordenem oficialmente seu suicídio ritual, como caberia a um samurai honrado caído em desgraça. Horas mais tarde, depois de ruminar um pouco mais sobre a história, modifica a ordem mais uma vez, determinando que, em vez de ser morto, ele seja promovido – tamanha audácia, afinal, não poderia ser desperdiçada em um tempo de alta demanda por valores militares.
O livro não fornece uma sequência da história. Provavelmente, o samurai recebeu a recompensa, fortaleceu seus laços de honra com o generalíssimo e mais tarde, por causa mesmo disso, morreu em batalha ao defender Hideyori, filho de Hideyoshi que acabou sacado do poder por Tokugawa Ieyasu.
Isso, porém, é mera especulação, assim como a “quarta ordem” do xogum que anotei a lápis no canto da página. Fosse eu Hideyoshi, chamaria os assessores e mandaria suspender a promoção antes que ela acontecesse. Entre a morte e a recompensa, afinal, nada mais justo do que a história acabar em empate. Melhor ainda com o prazer secreto – o poder supremo – de ter à mão tantas possibilidades e, no fim das contas, retornar ao estado anterior.
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