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Rodrigo Wolff APOLLONI

A mãe de todas as bibliotecas

Bibliotecas, dizia um velho sábio que conheci em uma pequena biblioteca imigrante no interior do Paraná, possuem a milagrosa capacidade de produzir livros. Ele não falava, tenho quase certeza, de uma insólita possibilidade de “geração editorial espontânea” (bela ideia para uma história fantástica), mas do fato de que as próprias bibliotecas são excepcionais inspiradoras de escritores.

Percepção cristalina: é só pensar na quantidade de boas histórias associadas a bibliotecas achadas e perdidas para concluir que seria perfeitamente possível constituir uma respeitável biblioteca formada unicamente por livros cujo enredo reside nas próprias bibliotecas. Verdadeiro mapa de todos os acervos, dos achados, dos perdidos e dos esquecidos, com uma ala, inclusive, reservada às obras sobre as bibliotecas desprezadas, aquelas que muita gente tem em casa e, por diferentes razões, não visita nunca.

A partir daí, seria fazer valer a própria curiosidade bibliófila, ou melhor, “bibliotecófila”. Eu, por exemplo, seria um frequentador assíduo da seção chinesa, sempre de olho nos últimos lançamentos. A China é, provavelmente, o país que mais reencontra bibliotecas, algo relacionado ao fato de que, por milênios, foi o que mais as ocultou, em especial por medo dos biblioclastas. Desde a Dinastia Han, há mil e oitocentos anos, incautos, operários e arqueólogos descobrem coleções guardadas em cavernas, depositadas em tumbas como “última leitura” do falecido ou mocadas em nichos secretos entre paredes de velhas casas. Entre os exemplos estão os cinquenta mil manuscritos budistas encontrados em 1900 em uma câmara nas cavernas de Mogao, em Gansu, e os “textos de Tsinghua”, coleção de tiras de bambu manuscrito, velhas de dois mil e trezentos anos, que retornaram ao conhecimento público em 2008.

Cada descoberta representa, ao mesmo tempo, uma beleza inenarrável e uma tortura. A beleza da possibilidade de demonstrar a existência de – e ler – obras como “O Livro da Música”, clássico confucionista pretensamente desaparecido há cinquenta gerações. E a tortura de cuidar para que a coleção recém-descoberta sobreviva em um mundo repleto de fatores de risco, de fungos devoradores de cultura a tolos dispostos a dispersar as obras por muito menos do que elas valem.

Enquanto não adentro a seção sínica da “biblioteca das bibliotecas”, vou sonhando com sua possibilidade e engendrando, quem sabe, um livro a esse respeito.

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