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Rodrigo Wolff Apolloni

Galateia e as máquinas

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(Foto: Reprodução)

Vasculhando a estante, dou de cara com a história de Pigmaleão e Galateia, um pequeno clássico mitológico grego contato pelo poeta romano Ovídio. Em uma síntese muito rasteira, o mito fala de como Pigmaleão, que era rei e escultor em Creta, esculpiu e se apaixonou perdidamente por uma de suas criações, a formosa Galateia. Quase maluco de tanto amor (a bem da verdade, o povo já estava estranhando as conversas, abraços e beijinhos do artista na estátua), implorou a Afrodite que encontrasse uma mulher exatamente igual à sua obra e aquietasse para sempre toda aquela carência.

A deusa, incapaz de achar criatura assim tão certinha, não teve dúvida: tocou uma magia na estátua e, enfim, a Galateia toda dura e gélida das noites de inverno (provavelmente, sua única falha) tornou-se uma mulher de verdade. De forma pouco usual para a mitologia grega, a história não acaba em chabu: Galateia não se apaixona por nenhum rochedo mais saliente do jardim real, Pigmaleão muito menos, e o casal ainda tem duas filhas, as igualmente formosas Metarme e Pafos.

Os experts estão ensinando as máquinas a raciocinar, de fato, como gente grande

Deixando um pouco de lado a psicologia que, ao longo do tempo, foi associada ao mito – coisas como a ideação do ser amado e o chamado “Efeito Pigmaleão”, que liga o desempenho de uma pessoa às expectativas colocadas sobre ela –, acabei conectando o dito cujo às recentes conquistas da inteligência artificial.

Aos poucos, nossos “pigmaleões” modernos estão moldando galateias aplicativas e cibernéticas bem legais. Algumas, inclusive, verdadeiramente assustadoras. E, se o caso, aqui, não é exatamente de busca pelo amor perfeito – devidamente exorcizado, ainda no século 18, por E.T.A. Hoffmann em O Homem de Areia, que narra a trágica história de amor entre um jovem ingênuo e um autômato –, ao menos os experts estão ensinando as máquinas a raciocinar, de fato, como gente grande.

É de se pensar em como será a coisa daqui a 50 ou 100 anos. Se, por um lado, a perspectiva é sombria, evocando a lógica fria das máquinas de O Exterminador do Futuro – que consideravam o homem um mecanismo ou programa falho ou instável –, por outro há de se pensar na possibilidade de esses mesmos algoritmos gerarem máquinas inteligentes verdadeiramente batutas. Sei lá, tipo a Galateia maravilhosa do mito ou, então, um velho mestre taoísta risonho, genial e absolutamente paciente com todas as nossas bobagens. Nesse dia, se também não tivermos evoluído em igual medida, estaremos diante de um verdadeiro desafio: o de nossa própria obsolescência.

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