Acabo de ler uma notícia a respeito do ressurgimento da devoção institucional ao deus nórdico do trovão, Thor, na Islândia. Pois ela não apenas “renasceu” como registrou um crescimento de 50% nos últimos dois anos, número para marqueteiro religioso nenhum botar defeito.
Tudo bem que, segundo o recenseamento, o total de crentes, hoje, é de 3.583 fiéis, um traque diante do número de luteranos no país, que chega a 234 mil (70% da população), ou de ateus e agnósticos, que alcança pouco mais de 73 mil (23%). Mas, como fenômeno sociológico, o movimento é merecedor de atenção, até mesmo porque, se o ritmo de adesões se mantiver pelos próximos anos, em breve veremos Thor e seu martelo Mjölnir deixando as rochas hiperbóreas em busca de outros rebanhos, acompanhado de Odin, Loki, Freia e das Valquírias louríssimas que, só de voejar pelo céu, dariam conta de converter uma multidão de marmanjos que se ligam em propaganda de cerveja.
Sou tentado a cogitar se esse novo culto não seria algo novo, ancorado em um antigo nome
A matéria que eu li não falava, porém, sobre como exatamente se deu o retorno de Thor ao mercado religioso. A palavra “renascimento”, aliás, merece as aspas que recebe do leitor precavido. O deus voltou com o nome, as runas e, provavelmente, as oferendas confirmadas por descobertas arqueológicas e pelos antigos textos escritos nos tempos da cristianização da Islândia (falo dos Eddas, coletâneas mitológicas do século 13 construídas a partir da tradição oral). Fora desses elementos estruturantes, porém, pouco parece existir que afirme que a religião é, de fato, a continuidade do antigo culto a Thor.
Sou tentado a cogitar, inclusive, se ela não seria algo novo, ancorado em um antigo nome – um lastro de respeito –, mas pautado por representações completamente distintas do deus e de sua cosmologia. Qual o peso, por exemplo, do nacionalismo islandês nesse processo religioso? E da indústria cultural, que transformou Thor em um personagem cool, loiro, bonitão e “porrador”? Qual o peso, enfim, do cristianismo protestante, do fundamentalismo islâmico e dos ecos da tardia Nova Era? De resto, a pergunta fatal: o que levaria uma sociedade, em especial uma tão secularizada (23% de ateus e agnósticos), a demandar a oferta religiosa de uma divindade esquecida?
Não é preciso ter um antigo deus guerreiro rondando o jardim para se fazer essas perguntas, que também cabem à efervescência religiosa das últimas décadas em boa parte do mundo. Sendo os islandeses civilizados como são, é difícil acreditar que o Thor redivivo vá sair martelando portas de igrejas e cabeças de não prosélitos. Se a coisa for mesmo assim, que sejam felizes com sua “nova crença ancestral” e deem um exemplo ao mundo.
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