Nas últimas semanas, enquanto acompanhava as notícias de nossa endemia de corrupção, fui fisgado por um termo surgido nas histórias de Eduardo Cunha: “truste”, que o dito cujo sacou como um talismã para explicar uma obscura e dadivosa fortuna tida e curtida no exterior.
“Truste”, palavra de origem anglo-saxã que define uma estrutura ou configuração econômica bacanérrima. Na qual, segundo minha própria definição de economista chulé, um cidadão reúne um tutu e transfere sua titularidade a administradores que, por sua vez, colocam a grana para trabalhar e devolvem uma mesada a um dado beneficiário. Que, por não ser o titular do capital, jamais poderá esfaquear o “sagrado porquinho do Banestado”, mas única e exclusivamente usufruir de doses regulares de riqueza.
Na minha cabeça a tal ferramenta econômica acabou assumindo um viés negativo
Mecanismo típico de um capitalismo avançado, honrado e de pessoas sábias, mas que, por força dessas contradições do próprio capitalismo, também atende a um mercantilismo chulo, vergonhoso e burro, próprio de políticos com a cabeça na Idade Média.
Pois, depois de ler as notícias sobre o truste do Cunha, fiquei pensando a respeito de onde já havia visto algo parecido. Não no cotidiano: o mais próximo que passei de um mecanismo semelhante foi nas inúmeras vezes em que meu superego tentou controlar o acesso àquela barra de chocolate comprada em segredo pela patroa e escondida em cima da geladeira, sem o menor êxito.
Fui encontrar a referência na literatura, mais exatamente no Drácula de 1897, escrito por Bram Stoker. No livro, o truste é usado pelo vampiro em sua transferência dos Cárpatos para Londres. Mero detalhe, porém fundamental para que ele acesse o colo das virgens de Albion: depois de ajustar tudo direitinho com administradores honrados e discretos, ele pode seguir para a Grã-Bretanha tranquilo em seu caixão. Os haveres, aluguéis e outras despesas de custeio serão pagos em libras limpíssimas que chegam em envelopes de papel pardo. E mais não se pode dizer, a não ser que o ouro que deu origem a esse capital pingado religiosamente, cuja titularidade não pertence mais ao vampiro, mas aos trustees, nasceu de pilhagens, guerras e escravidão.
Para todos os efeitos, por causa das companhias suspeitas, na minha cabeça a tal ferramenta econômica acabou assumindo um viés negativo – o truste como meio de acobertar safadezas e soltar as rédeas do deboche. O que, a bem da verdade, é uma enorme injustiça com as pessoas previdentes que resolveram deixar uma mesada para si mesmas ou para os entes queridos. O truste, enfim, não merece o Cunha – e nem o Conde Drácula.