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rodrigo wolff apolloni

Mircea Eliade e o punhal que veio do céu

A internet sabe que, a despeito de uma descrença crônica em coisas de outras dimensões, me amarro em notícias esdrúxulas. Sou, nesses termos, igualmente esdrúxulo, uma vez que descreio e, ainda assim, guardo um fio de esperança em algum tipo de revelação bombástica. Verdadeiro paradoxo, algo explicável, desconfio, pelas razões do personagem romântico, aquele ser pretensamente racional que se vê diante dos riscos de trocar uma insossa vida germânica pelo caos de paixões ciganas e duelos nas tavernas de Espanha.

E é nessa toada que tento explicar por que, a despeito de saber que os caçadores fajutos de monstros da tevê a cabo jamais vão encontrar o pé-grande, insisto em ver programas absolutamente bobos como Caçando o Pé-Grande. Sou, em síntese, um viciado em fantasia.

E é porque os algoritmos digitais conhecem minhas preferências que, semanalmente, minhas timelines são brindadas com notícias sobre discos voadores e achados arqueológicos insólitos. Caso, por exemplo, da reportagem sobre a recente descoberta, no tesouro funerário de Tutankhamon, de um punhal produzido com ferro oriundo do espaço sideral. “Ferro alienígena”, como vibra o título do texto ao evocar os conspiradores.

Sou, em síntese, um viciado em fantasia

Dessa vez, porém, não caio na tentação de relacionar o irmão de Akhenaton aos deuses astronautas. Meu encantamento é outro, já que a matéria me faz recordar um extraordinário livro de adolescência, Ferreiros e Alquimistas, escrito por Mircea Eliade.

Na obra, Eliade – gênio romeno que foi professor das universidades de Paris e Chicago – analisa o papel que os meteoritos metálicos desempenharam no início da metalurgia, quando se tornaram fonte principal de ferro. Não seria mera coincidência, aliás, a semelhança entre as palavras latinas sidus (“estrela” ou “constelação”) e siderus (“ferro”). Sideral, siderúrgico.

O autor também observa o caráter mágico e pontifical do ferreiro – figura que recolhia e transformava a matéria lançada à terra pelos deuses –, associando-o ao alquimista e à eterna tentativa de aceleração do tempo. Em algumas culturas, como a do antigo Japão, os forjadores de espadas ainda eram responsáveis por pacificar o elemento espiritual do aço e fazer com que, existindo como arma, ele se colocasse inteiramente a serviço de seu operador. Mais Conan, o Bárbaro, impossível.

No fim das contas, extraterrestres à parte, a “lâmina sideral” de Tutankhamon está lá por um bom motivo: arquetípico, simbólico, religioso ou narrativo – especialmente, narrativo. E eu me comprazo com isso.

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