Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Kleber Luz conta o que mais o preocupa em relação ao aumento dos casos de microcefalia no Nordeste: a reação das famílias. “Muitas mães chegam aos consultórios com bebês cobertos. Tentam escondê-los, com receio do comportamento de outras pessoas”, diz. O constrangimento delas, que aumentou depois que veio à tona o surto registrado nos últimos meses, é confirmado por outros profissionais.
Em 20 dias, Nordeste tem mais casos de microcefalia que média do país em 1 ano
Pernambuco concentra a maior parte dos registros da doença
Leia a matéria completaDiante dessa situação, Pernambuco já se prepara para criar um serviço de assistência para os pais dos bebês. “As reações são as mais diversas, mas sempre muito intensas”, afirma Carlos Brito, um dos infectologistas que estão à frente das investigações. Não raro, mães sentem vergonha, choram, ficam deprimidas com a situação.
A doença pode causar deficiência mental, dificuldades de locomoção, visão e audição, além de crises convulsivas. Com a má-formação, os bebês nascem com a circunferência do crânio menor que a média. “O impacto maior, para as mães, ocorre quando a descoberta é logo após o parto. Aquelas que recebem a notícia durante a gestação têm mais tempo para lidar com a questão e, no nascimento, já estão mais preparadas”, afirma Brito.
A autônoma Daniele, de 32 anos, disse que entrou em choque quando soube do diagnóstico de David, hoje com 3 meses. “Foi um misto de medo, de revolta”, conta. Os primeiros dias foram os difíceis. Como o bebê precisava fazer uma série de exames, ela ficou quase 20 dias no hospital, longe dos outro quatro filhos, com idade entre 3 e 16 anos. “Não sabia ao certo o que ele tinha, o que ia acontecer, porque tudo isso tinha ocorrido”, recorda. “Mas aos poucos David foi engordando, ficando melhor. Hoje está um gostoso da mamãe”, derrete-se.
Razão
Daniele não tem ideia do que pode ter levado David a ter microcefalia. “Não tive nada. Nenhuma doença, nem mesmo uma febre.” A dúvida já não está presente para a dentista Carol, mãe de Marcos (nome fictício). Ela associa o problema do bebê a uma suspeita de infecção, no início da gravidez. “A única coisa que tive foram manchas e coceiras”, conta.
O problema aconteceu em maio, quando a gestação entrava no quarto mês. A notícia de que algo poderia estar ocorrendo com seu filho veio da forma mais desastrada possível. Seu pai, médico, havia recebido da equipe do hospital a notícia da suspeita de microcefalia no neto, logo depois do parto. Mas procurou poupar a filha nas primeiras horas. “Ele saiu do quarto justamente no momento em que uma médica foi lá, dizendo que tinha de fazer exames neurológicos no bebê. Foi um choque. Na minha cabeça, ele ia ser um vegetal. Como sou da área de saúde, eu estudei isso. Pensei: meu Deus, é a área que tem a motricidade, a cognição, fala, visão. Pensei que ele ia ficar na cama, sob respiração artificial. Fui no extremo”, conta. “Neguei meu filho. Disse para meu pai: não vou ter condições de criá-lo.”
Depois de sair do hospital, veio a depressão. Chorava o tempo todo, mal comia. As coisas começaram a melhorar quando ela iniciou uma terapia. “Passei a ver de outra forma a situação. Comecei a ver que toda mãe tem seu filho 100% quando nasce, o que vai decrescendo de acordo com as intercorrências da vida” disse. E emendou: “No meu caso eu vou começar do zero, vou para 10%, 15%, 30%, 40% 50%, e assim eu vou.”
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