Detalhe da garrafa de whisky que foi vendida pelo equivalente a R$ 110 mil| Foto: Reprodução

Produção popular é discriminada

Os dados do IBGE mostram que a ajuda dos municípios à manutenção de grupos artísticos ainda é mais presente nas manifestações consideradas eruditas, como dança, teatro e orquestras. Para os grupos de tradição popular, essa ajuda cai para menos da metade. O estudo aponta que apenas duas cidades do Paraná têm como objetivo definido nas políticas públicas garantir a sobrevivência de tradições locais. O coral de afro-descendentes Sorriso Negro de Tibagi, nos Campos Gerais, tem autoridade para falar sobre falta de incentivo.

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ponta grossa – "Nunca ouvi falar que tinha uma biblioteca na cidade", diz espantada Gislaine dos Santos, 18 anos. Ela mora em Teixeira Soares, na região Centro-Sul do estado, cidade com quase 10 mil habitantes e nenhuma biblioteca estruturada, teatro, cinema ou livraria. Um pequeno acervo literário, atualizado pela última vez em 2005, é mantido a duras custas pelo departamento de Cultura do município. As três estantes bambas dividem uma sala com as cadeiras das aulas de violão durante o dia e do curso de educação a distância, à noite. Segundo o Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), organizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como em Teixeira Soares, outras 33 cidades no Paraná não têm biblioteca. "Acredito que o número de municípios sem bibliotecas públicas seja muito maior do que o divulgado", calcula a secretária estadual de Cultura, Vera Mussi Augusto. Pelo menos cem municípios pediram a instalação do projeto "Biblioteca Cidadã", entre eles, Teixeira Soares.

Segundo dados do Munic Cultural, os municípios paranaenses investiram em cultura apenas 0,8% – cerca de R$ 77 milhões – de tudo o que arrecadaram em um ano. O cálculo foi feito com base nos valores de 2006. O montante aplicado na área cultural foi equivalente ao orçamento total de uma única cidade – como Castro, que tem 62 mil habitantes. O cenário pode ser ainda mais alarmante. Vera tem certeza de que o investimento é menor. "Acho bastante otimistas os dados do IBGE porque não é exatamente isso que detectamos no levantamento que fazemos", afirma. A pesquisa nacional foi realizada entre os órgãos de gestão cultural de todas as cidades do Brasil. No Paraná, menos da metade dos 399 municípios paranaenses possui teatro, salas de espetáculos ou centros culturais.

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Iracema Gaudino de Oliveira, 53 anos, é funcionária pública de Teixeira Soares e tem três filhas formadas em universidades da região. "Quando elas precisam de livros compram em Irati ou Ponta Grossa. Uma biblioteca aqui faz falta", avalia. A papelaria da cidade não vende livros, nem por encomenda. O estudante universitário Miguel Ângelo Basso, 22 anos, conta que pede para o tio trazer de Curitiba os livros que precisa.

A falta de investimento específico em cultura está relacionada à importância dada aos assuntos da área pela maioria das prefeituras. Apenas 16 cidades possuem secretaria municipal exclusivamente dedicada ao setor, sendo que na maioria das vezes ela está inserida em outras áreas administrativas, como no caso de Teixeira Soares. O IBGE identificou que apenas 12 cidades paranaenses têm plano municipal de cultura em execução. A situação é pior em 176 municípios que não possuem nenhuma política pública específica de investimento na cultura. "Eu sei que existe boa vontade por parte dos municípios para a promoção cultural. Mas hoje temos dificuldade porque as prefeituras arrecadam pouco e conseqüentemente investem pouco na área cultural", analisa a secretária.

O estudo também revela que o Paraná não acompanha uma tendência nacional de integrar a cultura ao desenvolvimento local. No país, essa idéia é apontada por 32,5% das cidades como objetivo principal do setor de cultura. No estado, apenas uma cidade tem essa visão. Outro dado é que poucas cidades de grande porte do estado se preocupam em preservar o patrimônio cultural. São apenas três. O IBGE não divulgou os dados cidade a cidade. Na opinião da secretária de Cultura, a razão dessa falta de preocupação é que muitos municípios entendem patrimônio cultural como algo antigo. "O Paraná é um estado relativamente novo, algumas cidades estão começando a compreender o que é patrimônio cultural", avalia.

A Secretaria do Estado da Cultura está fazendo uma pesquisa sobre os orçamentos municipais e pretende concluir o estudo até o final do ano. A secretária avalia como positivo o levantamento feito pelo IBGE, acrescentando que a pesquisa não será descartada. "Os dados são importantes para facilitar a formação de uma política cultural", lembra. No país, há uma campanha pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional, o PEC da Cultura, que prevê o investimento mínimo de 1% para os municípios, 1,5% para o estado e 2% para o governo federal, em promoção cultural, como acontece com os porcentuais fixados para saúde e educação.