Comunidades inteiras soterradas por uma lama traiçoeira, que demora a secar enquanto cimenta indistintamente casas e escolas, estradas, plantações e vegetação nativa; corpos de animais em decomposição; rios assolados por rejeitos de mineração, sujeira e peixes mortos. Esse foi o cenário desolador encontrado pelo foto-documentarista curitibano Osvaldo Santos Lima nos distritos de Mariana, em Minas Gerais, região mais atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos Fundão, em 5 de novembro.
50 milhões
De metros cúbicos de lama. Essa é a estimativa do volume de rejeitos que se espalhou por uma extensão de mais de 500 quilômetros, passado por Minas Gerais, Espírito Santo e alcançando o oceano. O cálculo é do Ibama.
Fotos: Veja imagens dos fotógrafos
Revolta dá lugar ao medo do desemprego
O rompimento da barragem gerou uma espécie de revolta coletiva por causa dos enormes prejuízos ambientais e sociais, mas menos nos atingidos diretamente pela lama do que se poderia supor. Entre as vítimas, pouco se comenta a responsabilidade da Samarco e quase ninguém briga pela saída da empresa da região, conta o repórter fotográfico Joka Madruga. A reação comedida, avalia, se deve à relação de dependência entre a economia local e a mineradora.
“Fiquei impressionado com a força política e econômica da Vale e da Samarco na região. As pessoas têm medo de falar algo contra a empresa e sofrer alguma represália. Elas são intimidadas porque dizem que se os atingidos conquistarem seus direitos, a Samarco vai falir e gerar muito desemprego”, conta ele, que ficou quase um mês em Minas Gerais a convite do Movimento de Atingidos por Barragens.
Segundo o professor de fotografia Osvaldo Santos Lima, que também viajou para Mariana para documentar a tragédia, as famílias têm medo de que a mineradora feche.
“É muito difícil porque a empresa que causou todo esse estrago é também o grande empregador da região. Eles temem a lama, mas temem mais a fome. É mais fácil pensar nas questões ambientais e políticas quando não se perdeu a casa, o pomar, os animais. Pedir para que essas pessoas se revoltem é pedir muito. Elas estão preocupadas com o futuro imediato”, pondera. (CP)
Osvaldo decidiu viajar sozinho até Mariana para ter um olhar seu sobre o desastre ambiental. “A gente cansa de ser só leitor. Como fotógrafo e documentarista, meu desejo era ser também autor dessa história”, explicou. Durante o período em que ficou por lá, ele conversou com as famílias desalojadas e explorou a região devastada pela lama da Samarco, mineradora controlada pela Vale e responsável pela barragem.
“Não há para onde voltar”
Especialistas que monitoram o impacto da mineração em Minas Gerais já declararam que, apesar de não ser tóxica, a lama da Samarco pavimentou os mais de 500 quilômetros percorridos. Isso porque o volume de rejeitos foi tal que não apenas destruiu tudo o que estava à frente como também se consolidou, fixando-se sobre plantações, estradas e casas. Segundo Osvaldo, a lama densa alterou até topografia da região.
“As pessoas que viviam ali não têm para onde voltar. Não só porque suas casas, escolas e comércios foram destruídos, mas porque a lama de mineração está cimentando tudo. A topografia da região foi alterada, temos elevações e vales que antes não existiam.”
De todas as histórias que uma região assolada como essa pode contar, as mais impactantes são as narradas pelas vítimas. Osvaldo testemunhou o desespero de pessoas simples que choram pelos cães, cavalos e vacas que tiveram de deixar para trás; que lamentam pelas fotografias, pela louça de casamento, pelo violão – bens afetivos perdidos para a lama. Muitos, conta, não querem saber de voltar para ver como ficou o local onde construíram uma vida.
“O ser humano consegue lidar com perdas materiais, mas lá são várias camadas de perdas: bens materiais, espaços, pessoas e animais de estimação, memórias. E ainda temos as perdas futuras: de terra infértil, de água contaminada, de construções e localidades históricas que vão desaparecer.”
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