Com quase quatro meses de atraso, o Curso de Formação de Oficial (CFO) da Academia Policial Militar do Guatupê (APMG) começou na última semana. Serão 68 cadetes que almejam se tornar os próximos oficiais da corporação. A grade curricular do curso foi reformulada: equilibrará carga de treino de tiro letal, de baixa letalidade e defesa pessoal. O que permanece é o rigor tradicional, alvo de reclamações e críticas constantes de alunos veteranos e de oficiais já formados.
A reportagem conversou com seis cadetes que já estudam na APMG e falam sobre a realidade do aluno. Para eles, é preciso melhorar o curso com um quadro docente mais qualificado [mais professores mestres e doutores ], mais civis e carga horária menos exaustiva.
Salários
O salário que deveriam receber é alvo de reclamação dos cadetes. As turmas de 2º e 3º ano da escola de oficiais estavam com parte dos salários atrasados há meses. Esses alunos recebem mensalmente R$ 2.806,94, o mesmo valor destinado para estudantes do 1.º ano da escola de oficiais. Cada aluno do 2º ano deveria receber R$ 3.143,78. Já para os que estão no último ano, o salário seria de R$ 3.615. De acordo com eles, agora, os do 3º ano recebem como de 2º. A tenente-coronel Karin Krasinski informou à reportagem que o problema já estava sendo resolvido e, por isso, foi aberta uma nova turma de primeiro ano.
Atualmente, de acordo com a diretora da Academia, tenente-coronel Karin Krasinski, há dois mestres e um doutor, além de um doutorando e um mestrando.
Formação
Os cadetes reclamam de violação da dignidade, com carga horária semanal extenuante e punições por besteiras, como ‘papel não autorizado sobre a carteira da sala de aula’ e ‘etiqueta em desalinho’. “Ficamos privados do convívio familiar”, reclama um deles. Outro conta que já ficou em aula 14 horas em um só dia.
Para outro cadete, o maior problema são humilhações sofridas e punições exageradas por pequenas transgressões disciplinares. “A falta de punição para fatos graves acaba por deturpar, um pouco, o que é passado em sala de aula”, afirma um deles, se referindo às aulas de Direitos Humanos.
Prática é problema
Na avaliação dois oficiais ouvidos pela reportagem, que dão aula na APMG, o maior problema não é a formação, mas a aplicação do que se aprende na academia dentro dos batalhões pelo Paraná. “O currículo do curso não é problemático. A questão está na deformação do cadete após o período de instrução”, explicou um deles. Para outro, dentro das unidades os policiais são avisados como é o dia a dia logo que chegam. Como são novatos, acabam entrando na dança.
A reportagem teve acesso ao quadro demonstrativo de processos da seção de Justiça e Disciplina da PM e as sínteses dos fatos. Neste ano, foram abertos 21 formulários de apuração de transgressão disciplinar (FATD). Em um deles, o documento explica que uma cadete teve aberto o procedimento contra si porque abordou o subcomandante da APMG para falar sobre escalas de serviço sem anuência da escola de oficiais. Em 2014, foram 49, e no ano anterior 48.
Os três anos de CFO têm total 4 mil horas. Apenas 1% – 30 horas – é destinado para Direitos Humanos. O currículo do último curso contava com 20 horas destinadas para o policiamento comunitário, aquele que tem objetivo de aproximar o cidadão da polícia. A expectativa é de mudanças e os cadetes pedem pelo aumento da carga horária dessas disciplinas.
A mudança será bem vista pelos alunos. Todos os cadetes e policiais ouvidos pela reportagem afirmam que essas temáticas de direitos humanos são tratadas em várias disciplinas de forma transversal, não apenas na matéria que leva o mesmo nome. Ainda assim, ressaltam a crítica. “Atualmente a disciplina é muito bem ministrada pelo atual instrutor, contudo, com pouca carga horária e com pouco aprofundamento”, resume um dos cadetes.
Para especialista, desmilitarização é solução para problemas
Para o sociólogo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), Cézar Bueno, é possível amenizar os problemas apontados pelos cadetes, mas acabar com eles só seria possível com a desmilitarização da polícia. Na avaliação dele, o modelo de organização militar é antidemocrático. Portanto, não há abertura para ouvir os cadetes. “Esse é um dos maiores desafios da segurança pública brasileira, que interfere em vários pontos. É possível minimizar os problemas com mais civis dando aula, por exemplo, mas nada vai se resolver em definitivo com o curso apenas”, comentou.
Segundo Bueno, a estrutura da PM precisa estar comprometida para motivar os policiais a buscar alternativas educacionais que passem pelas soluções de conflitos sem a repressão, como cursos de direitos humanos, que fortaleceriam o projeto pedagógico. Antes de implantar o policiamento comunitário para fora do quartel, é preciso ter tal atitude dentro da corporação. “Como fazer o policiamento comunitário com a população se não é possível a mesma filosofia intramuros?”, questionou.
Diretora da APGM defende formação: “treino para realidade”
A diretora da Academia Policial Militar do Guatupê (APMG), tenente-coronel Karin Krasinski, afirmou que as punições dos cadetes servem de treinamento para enfrentar a realidade após a formação. “Se eu não preparar adequadamente para as coisas miúdas, a hora que esse menino que virou policial militar vê um jovem morto e a mãe desesperada, querendo acessar aquele filho, ele diz: ‘a senhora não vai acessar’. Ele tem que se manter firme para aguentar a tristeza da mãe e a responsabilidade de preservar o local de crime”, explicou. Para ela, é preciso treinar a resiliência nos policiais desde o início da academia para que possam resistir na rotina após a formação.
Sobre a nova grade curricular, a tenente-coronel explicou que ainda não foi aprovada, mas aborda mais temas de direitos humanos e policiamento comentário. De acordo com ela, a APMG procura mais mestres e doutores para dar aula e espera que o fato de ser um campus da Unespar desde 2013 seja um caminho para deixar a academia um pouco mais civil.
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