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Clima

Depois da água derramada

O governo federal investiu apenas 15% do orçamento previsto para a preparação e prevenção de desastres naturais. Dos R$ 546 milhões iniciais, somente R$ 82 milhões foram investidos. Quando o assunto são enchentes e desmoronamentos, a União gasta mais depois que as grandes tragédias ocorrem. Até setembro de 2009 foi gasto R$ 1,3 bilhão com as vítimas das calamidades, número quase 15 vezes maior que o aplicado na precaução.

Quando se compara o montante destinado aos estados, a discrepância continua. O Paraná, por exemplo, recebeu R$ 621 mil para ações preventivas e R$ 1,4 milhão para responder aos desastres. Santa Catarina teve um orçamento dez vezes maior para a resposta do que para a prevenção. Foram R$ 241 milhões contra R$ 2,5 milhões. O levantamento foi realizado pela organização não governamental Contas Abertas.

A grande incoerência apontada por especialistas é que os investimentos em prevenção são mais baratos. E o principal: poderiam salvar vidas. Entram nessa categoria ações como mobilização da população, publicidade de utilidade pública, capacitação e estruturação da Defesa Civil, apoio a obras e gerenciamento de risco. Já na resposta aos desastres estão o apoio financeiro, recuperação de danos e restabelecimento da normalidade. O Ministério da Integração Nacional foi questionado sobre os valores, mas a solicitação da reportagem não foi atendida.

O mesmo cenário se repete em todas as regiões do país. Há estados do Nordeste onde sequer houve investimento na prevenção. É o caso do Maranhão e do Pará, locais mais afetados por enchentes no primeiro semestre deste ano. O primeiro não recebeu nada e o segundo, apenas R$ 2 mil. Quem também recebeu valores irrisórios foram os estados do Piauí e Roraima. Juntos, eles tiveram quase R$ 300 milhões para usar depois que os desastres já haviam ocorrido.

Geólogo e diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres da UFPR (Cenacid), Renato Lima afirma que o país precisa se preparar para responder com mais eficiência às calamidades ocasionadas pela natureza. Ele argumenta que a ideia de que o Brasil não é atingido por fenômenos naturais extremos é falsa. "É preciso mudar esta cultura, investir em um amplo programa de capacitação da sociedade e da Defesa Civil e investir em pesquisas científicas para conhecer melhor nossas vulnerabilidades."

O professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual do Rio de Janeiro David Zee argumenta que a prevenção de desastres é subestimada porque não rende grandes obras, como a construção de estradas. "O que o governo não entende é que cada real investido nessa área vai gerar uma economia gigantesca lá na frente. E, principalmente, vamos salvar vidas." Zee diz que as mudanças que as cidades sofrerão por causa do aquecimento global já são um fato. "Nós teremos de nos adaptar. A sociedade terá de mudar e principalmente o poder público, que vai ter de mudar de foco."

O economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, também concorda que os investimentos para a prevenção de desastres são menores por uma opção política. Ele diz que isso é uma característica de todos os governos. "Infelizmente temos uma defasagem histórica. Obras como a remoção de pessoas que vivem em encostas e na beira dos rios não rendem votos." Castello Branco reafirma que o que o poder público gasta depois das tragédias é um montante que poderia ser mais bem investido se houvesse planejamento.

O advogado e professor da Universidade Federal do Paraná Romeu Bacellar argumenta que as situações em que o cidadão se sente lesado pelo descaso do poder público são passíveis de ações indenizatórias. "É um direito constitucional o cidadão reaver algo que perdeu em função da ineficácia do governo."

No Paraná, investimentos são pulverizados

No Paraná, o governo do estado não soube precisar quanto é destinado para a prevenção de desastres. Isso porque o investimento está pulverizado em quase todas as secretarias. A assessoria de imprensa da Casa Civil informou que a Defesa Civil tem um orçamento próprio, mas quando ocorrem as tragédias as secretarias são acionadas, como é o caso da reconstrução de escolas e estradas. É justamente em função dessa pulverização que o diretor-geral da Secretaria do Planejamento, José Augusto Zaniratti, não concorda com o levantamento feito pela ONG Contas Abertas. "Não é possível afirmar que o estado gasta mais com desastres do que na prevenção. Porque o primeiro é imprevisível. Os investimentos estão pulverizados em todas as áreas. E os problemas são históricos. Não posso recuperar décadas em anos."

A prefeitura de Curitiba in­­vestiu R$ 70 milhões em ações de prevenção a enchentes e outros desastres naturais nos últimos seis anos. Entre as medidas estão a limpeza dos rios, construção de galerias pluviais e obras de contenção das margens, além da realocação de moradores das áreas de risco. "Nosso maior desafio é sanar questões históricas. Temos muitas obras previstas que vão melhorar a qualidade de vida da população", diz o secretário de Obras Públicas de Curitiba, Mário Yoshio Tookuni.

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