Duzentas e onze cidades do Brasil registraram mortes por deslizamentos de terra entre 1988 e 2009, de acordo com o Ministério das Cidades. Quase 90% das ocorrências se concentram nas regiões Sul e Sudeste e duas cidades paranaenses aparecem na lista: Apucarana e Itaperuçu. Mesmo sem a descrição de cada tragédia, sabe-se que a maior parte delas se deve à ocupação de morros e encostas. Conforme o Ministério e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não existem dados sobre o total de pessoas que vivem em áreas de risco no país, mas há consenso de que a ocupação é fruto de uma política habitacional falha.
Ontem, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, editou decreto que autoriza a Defesa Civil a retirar à força pessoas que se recusarem a deixar áreas de risco, medida que atinge 46 dos 160 bairros do município. Em um primeiro momento, a medida é considerada adequada por especialistas, mas fica a dúvida: o que fazer com essas pessoas em um futuro próximo?
Geógrafo e coordenador-geral do Observatório de Favelas, Jaílson de Souza e Silva classifica como "político" o discurso de Paes. "Os moradores precisam ser vistos como parte da solução e não só do problema. Há necessidade de ações dos governos municipal, estadual e federal que permitam o desenvolvimento de políticas a longo prazo", diz. Para isso os projetos devem ser contínuos, mesmo com a troca de gestores públicos.
A ocupação de encostas resulta da falta de fiscalização. Para a coordenadora de Estudos Setoriais Urbanos do Ipea, Maria da Piedade Morais, o problema se tornou cada vez maior pela falta de alternativas oferecidas pelo Estado. "As pessoas precisam morar em algum lugar. Se não existe alternativa, vão encontrar algum local vazio", afirma. "O problema da moradia é antigo. Houve migração para as grandes cidades, mas as políticas públicas não foram suficientes."
Em geral, soluções esbarram na falta de consenso entre moradores e as administrações. Nas grandes cidades, não há espaço para reassentamentos perto de morros e favelas. Por isso, é preciso encontrar um meio termo. "As pessoas precisam entender que estão em uma área de risco. Muitos compraram um lote que jamais deveria ter sido vendido", avalia Olga Lúcia Firkowski, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles. "Por outro lado, a prefeitura apresenta uma solução técnica, com casas e infraestrutura, incluindo educação e transportes."
Para o engenheiro florestal Guilherme Floriani, analista do Ibama, o processo de transferência precisa ser responsável. "Na construção de uma hidrelétrica, a transferência deve ser paga porque ela vai gerar lucro. Na prevenção de um desastre natural, como não há ganho para a economia, não parece existir a mesma visão."
Prevenção e criatividade
Já virou chavão, mas tragédias como as do Rio são anunciadas. Conforme o professor de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Luiz Russo Neto, basta o desejo para as autoridades conhecerem os riscos. "A Engenharia Civil tem recursos para mapear áreas de risco, informando a real condição das habitações", diz. "Não existe sequer plano de contingência nesses locais, analisando declividade, localização e tipo de solo para evitar as catástrofes", comenta Maria da Piedade Morais, do Ipea.
Na outra ponta, criatividade é fundamental para encontrar espaços. Além de investir na infraestrutura em regiões distantes, pode-se pensar na liberação de áreas não utilizadas ou em imóveis vagos. "O Rio tem muitos imóveis vagos no Centro, assim como uma zona portuária degradada", afirma a coordenadora. Em Paris, na França, a opção foi pela construção de núcleos urbanos no entorno da cidade. "Foram verdadeiras cidades, com prefeituras próprias, mas com grande infraestrutura", lembra Olga.
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