O bolero “Diez años” (“assim se passaram dez anos...”), de Rafael Hernandez, pode não estar na moda, mas longe dizer que anda esquecido num bolachão de 73 rotações, entregue às vitrolas de um brechó. Basta alguém se dar conta de que o eixo da Terra virou umas tantas vezes para cantarolá-lo – seja para festejar, seja para lamber a feridas.
O ano de 2015 é o caso. Tende a acabar debaixo de uma cortina de fumaça. O Petrolão, a tragédia de Mariana, a ameaça de impeachment – para citar três pautas que andam pelando – botaram mais lenha para queimar no fogo em que ardia a crise ética e a crise econômica. Deixou o povo com a vista turva. Uns professam cheios de fúria que uma soma de erros deixou o país entregue à sorte. Outros entendem que “apesar dos pesares” o Brasil ficou melhor. Os em dúvida atiram preces no manto da Aparecida.
INFOGRÁFICO: veja a história de quatro pessoas que já passaram pelas páginas da Gazeta do Povo
A Gazeta do Povo se propôs a fazer um exercício. Garimpou personagens entrevistados pelo jornal em 2005. Da lista inicial, selecionou quatro pessoas, ligadas a quatro aspectos da vida nacional – educação, habitação, meio ambiente e trânsito. Os dados da vida privada e da vida pública foram cruzados. O resultado não é científico, mas permite dizer que a última década pode ter sido tudo, menos digna de bocejos.
O motorista Fabrício Carvalho de Souza, 30 anos; a universitária Ester Pina Bondezan, 23; o advogado Gilberto Gaeski, 56, e a líder comunitária Maria Vilma Paolini, 74, não se conhecem, nem de vista na estação-tubo. Moram em bairros diferentes, no PIB, inclusive – Umbará, Portão, Bacacheri e Caximba – e, se reunidos numa mesa, é provável que discordariam inclusive do cardápio. Em comum, têm o rio que passou em suas vidas de 2005 a 2015 – recorte usado para esta reportagem.
Há uma década, Vilma protestava contra os prejuízos que o Aterro da Caximba trouxe para a paisagem da região algo rural em que sua família é nome de rua. Pedia contrapartida da prefeitura – e ganhou um colégio, o “Joana Raksa”. Até a Banda Lyra foi à inauguração. No mesmo 2005, a adolescente Ester posava para uma foto de capa da Gazeta, pondo à mostra o emblema da Escola Municipal Papa João XXIII – que alcançou, então, um extraordinário quarto lugar no ranking das melhores instituições públicas de ensino de todo o país. “Ter falado para o jornal marcou minha vida”, diz hoje.
Enquanto Vilma protestava e Ester descobria que sua escola da Vila Leão era nota “10”, Fabrício dava aulas da capoeira na ocupação Vila Vitória, então um rancho fundo, nascido debaixo da desconfiança dos antigos moradores do Umbará. Eles se acreditavam uma sucursal da Itália na zona sul de Curitiba. No mesmo momento, do outro lado da cidade o advogado Gilberto Gaeski lutava para superar a perda de sua filha Bruna, atropelada aos 16 anos. Em resposta, fundou uma ONG – a Dias Melhores – para dar assistência jurídica a famílias de vítimas do trânsito.
O futuro veio, com alguma lógica. Em 2010, Vilma viu o Aterro da Caximba ser desativado, o que não significou que tudo ia ser como antes. O bairro ultrapassava 17 mil habitantes e 16 áreas irregulares. No mesmo ano, Ester ocupa uma vaga na prestigiada Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – é uma filha da escola pública, categoria que só parecia existir no Brasil até a década de 1950. Pari passu, Fabrício viu o lote de seus pais ser regularizado pela Cohab – o processo avançou a partir de 2007, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), deixando de pertencer ao grupo dos 62 mil domicílios irregulares da capital. As relações entre velhos e novos umbaraenses pode não merecer um prêmio da ONU, mas muitos moradores conhecem o líder juvenil do Santuário da Divina Misericórdia, e sua performance na pele do palhaço Too Night. Fabrício ganhou o riso e o respeito dos vizinhos.
Quanto a Gaeski, sua ONG não tem mais o fôlego dos inícios, mas fica difícil não reconhecer que somou tijolos numa grande história. O número de óbitos no trânsito chegou a mais de 43 mil pessoas, em 2011, mas aponta tendência de queda. A Lei Seca (de 2008) mexeu com a cultura do trânsito. Sem falar no barulho em torno do caso Carli Filho, do qual o advogado é observador “Sessão Coruja”, mesmo duvidando dos desdobramentos.
No que acreditam esses quatro? Ester acha que o Brasil só melhora a médio prazo e com mudanças individuais. Faz sua parte, influencia sua pequena comunidade – a dos jovens da igreja Batista em que o pai é pastor. Gostaria que os outros seguissem a lógica. Fabrício acredita na comunidade e na educação, apesar da relação instável com a escola. Gaeski viu a responsável pela morte de Bruna ser condenada, em semiaberto, mas era tarde. “Tantos anos depois, ela se tornou outra pessoa. Não fazia mais sentido”. Vilma ainda tem planos para sua amada Caximba. Mas não lhe peçam o impossível. Recolhe-se cedo, com o marido, levanta assim que o galo canta e faz rosquinhas para o Natal. Anda animada.
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