A execução de 31 presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Boa Vista (RR), apenas cinco dias após o massacre de 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), encerrou uma semana de terror no sistema prisional brasileiro.
No total, 93 pessoas morreram em presídios nos seis primeiros dias de 2017 – um massacre coletivo que quase se igualou à chacina do Carandiru, a maior matança em penitenciárias nacionais, com 111 vítimas.
As rebeliões ocorreram em unidades prisionais superlotadas e dominadas por facções criminosas. Imagens chocantes de corpos mutilados correram o mundo, expondo a tensão que acomete as prisões do país.
A carnificina começou logo no primeiro dia de 2017, com a rebelião em Manaus. Segundo autoridades penitenciárias, a maior parte seria integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC), cujo comando é de São Paulo. O massacre teria sido cometido por membros da Família do Norte do Amazonas (FDN) que, poucas horas depois, publicou um funk comemorando a chacina.
“Estava tudo dominado/ A cadeia em nossas mãos/ E os presos tudo decapitado/ na quadra do cadeião”, canta a música.
Administrada pela iniciativa privada, a penitenciária vivia superlotação extrema. Mais de 1,2 mil presos estavam confinados em espaços com vagas para 454 pessoas. No ano passado, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura havia divulgado um relatório, em que afirmava que a administração do presídio terceirizado era “bastante limitada e omissa diante da atuação de fações criminosas” e destacou que “os presos se autogovernam” na unidade.
Roraima
Na penitenciária de Boa Vista, o panorama também era de superlotação. A unidade tem capacidade para 750 pessoas, mas abrigava 1.475 presos. O perfil dos detentos indica uma situação de inconformidade com a Lei de Execuções Penais: cerca de 940 deles estavam presos preventivamente, ou seja, não haviam sido condenados, conforme relatório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A maioria dos mortos neste presídio também seria do PCC. Por isso, o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, supõe que o massacre tenha sido um acerto de contas entre integrantes da própria facção. “Dos mortos, três eram estupradores e os demais eram rivais internos que haviam traído os demais. Então, na linguagem popular, trata-se de um acerto de contas interno”, disse o ministro.
No segundo semestre do ano passado, a penitenciária já havia sofrido uma série de rebeliões, que somaram 18 mortes. “No que se refere à questão de termos rebeliões ou mortes, talvez tenha sido um grande erro cuidar apenas do problema”, disse Moraes.
Reações à carnificina
O presidente Michel Temer (PMDB) só se manifestou sobre a chacina em Manaus cinco dias depois da matança. Na ocasião, classificou o episódio como um “acidente pavoroso”. “Quero me solidarizar com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus”, disse o mandatário.
Temer se comprometeu a construir cinco novos presídios federais, cada um com capacidade para mil presos. Isso não chegaria nem perto de refrescar a defasagem de vagas apontada pelo último relatório do Conselho Nacional do Ministério Público, de dezembro, que indica que para acabar com a superlotação dos presídios seriam necessárias 201 mil vagas.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou que vai acionar a Corte Interamericana em razão dos massacres nas penitenciárias de Manaus e Boa Vista. “O que ocorreu no Amazonas em Roraima é a demonstração mais clara, cabal e definitiva da total falência do estado brasileiro na administração do sistema prisional”, afirma o presidente da OAB, Claudio Lamachia.
O estado brasileiro já responde ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos por violações nas unidades prisionais do Rio Grande do Sul (Presídio Central de Porto Alegre), Rondônia (Urso Branco), Pernambuco (Aníbal Bruno) e Maranhão (Pedrinhas), além de São Paulo (Parque São Lucas).
“Aplaudindo em pé”
O deputado federal e ex-secretário de Segurança do Paraná, Fernando Francischini (SD), por sua vez, comemorou as execuções nas penitenciárias do Norte do país em postagens no Facebook. “Enquanto for bandido matando bandido, as famílias de bem que tiveram seu pais mortos em assaltos, seus filhos escravizados pelas drogas e suas mães destruídas por estupros, estão aplaudindo de pé!”, postou.
Em outra postagem, Francischini disse que, quando era secretário de Segurança Pública no Paraná, “quem morria eram bandidos”. Outra publicação do político mencionou o endurecimento de penas. “Aos que sobrarem vivos, seja de qualquer uma destas organizações criminosas, temos que mudar a Constituição e colocar em prisão perpétua em alguma ilha com isolamento total”, escreveu.