O Ministério Público disse ainda na terça (27) que vai recorrer da decisão do Tribunal de Justiça que anulou os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru. Os três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri responsáveis pelo recurso da defesa dos réus anularam os julgamentos anteriores entendendo que não há elementos para mostrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes e pediram novos julgamentos.
O presidente da 4ª Câmara, desembargador Ivan Sartori, chegou a pedir a absolvição dos réus em vez de um novo julgamento, porém, a posição não foi aceita pelos demais quatro membros do colegiado presentes na sessão. “Vamos recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e talvez também ao Supremo [Tribunal Federal] e vamos tentar reverter o resultado desse julgamento”, disse a procuradora de Justiça criminal, Sandra Jardim.
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Leia a matéria completaA procuradora disse ter visto a decisão do TJ com “certa preocupação”, principalmente pelo pedido de Sartori. “Havia três réus no processo que o Ministério Público havia pedido a absolvição. O relator do processo [Sartori] entendeu que, como o próprio Ministério Público pediu a absolvição desses três réus e como ele não viu uma situação diferente entre estes réus e o restante - os 74 policiais que foram condenados [os 73 policiais mais o coronel Ubiratan Guimarães, que foi julgado à parte] - ele estendeu aquela decisão de absolver para todo mundo. E não havia recurso, nem na defesa e nem da acusação, que permitisse a ele estender essa decisão”, disse a procuradora.
Perplexidade
Entidades de direitos humanos e advogados que acompanharam o caso reagiram com perplexidade e insatisfação à decisão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri. Instituições como a ONG Conectas, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch direcionaram críticas ao órgão e demonstraram intenção de buscar por meio de diálogo e protestos a reversão da medida.
Diretor executivo da Anistia no Brasil, Atila Roque disse ter ficado chocado com a decisão, que classificou como “revés da Justiça em um dos casos mais emblemáticos de violação aos direitos humanos no sistema penitenciário”. “Foi de longe o mais grave. Estamos falando de famílias que aguardaram mais de 20 anos pelo julgamento, o que por si só já demonstra uma tremenda anulação de direitos. Agora, o risco de impunidade pode colocar o país numa posição vexaminosa”, disse.
Para o coordenador do Programa Justiça, da ONG Conectas, Rafael Custódio, o tempo conta contra o esclarecimento do caso, contribuindo para que não haja responsabilização. “Já podemos dizer que não houve Justiça nesse caso, ainda que haja um novo julgamento. Isso em razão do tempo que se arrasta. A notícia de anulação agora então só piora e é vergonhosa, diminuindo a mais alta Corte de São Paulo”, disse.
A Human Rights Watch vê falha do Estado “em todas as frentes”. “A decisão de anular o julgamento dos policiais reforça a tese de que a impunidade nos casos de abusos cometidos por agentes do Estado é a regra no Brasil e reflete a falha do Estado em todas as frentes, quando se trata de investigar e punir graves violações de direitos humanos, como torturas e execuções”, declarou Maria Laura Canineu, diretora no Brasil da organização.
Integrante do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, o advogado Ariel de Castro Alves pediu celeridade nos novos trâmites e reforçou as críticas. “É uma afronta ao Brasil que um caso de tão grande repercussão, que marcou a década de 1990, não tenha tido até hoje um desfecho”.
111 detentos foram mortos durante o massacre
O massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos durante uma operação policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Carandiru, na zona norte da capital paulista. Por ser um processo que envolvia uma grande quantidade de vítimas e uma grande quantidade de réus, o julgamento foi desmembrado em quatro partes.
Na primeira etapa do julgamento, ocorrida em abril de 2013, 23 policiais foram condenados a 156 anos de reclusão cada um pela morte de 13 detentos. Na segunda etapa, ocorrida em agosto desse mesmo ano, 25 policiais foram condenados a 624 anos de reclusão cada um pela morte de 52 detentos que ocupavam o terceiro pavimento do Pavilhão 9.
No dia 19 de março de 2014, os sete jurados que compõem o Conselho de Sentença decidiram condenar dez policiais militares pela morte de oito detentos do quinto pavimento: nove destes policiais foram condenados a 96 anos de prisão cada um, enquanto o outro foi condenado a 104 anos, por já ter uma condenação anterior. Na quarta etapa, em abril de 2014, 15 policiais militares foram condenados pela morte de quatro detentos no quarto pavimento (terceiro andar) do Pavilhão 9.
Antes desses julgamentos, o coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação no Carandiru, foi condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 prisioneiros do complexo penitenciário. Ele foi encontrado morto em casa em 2006, com um tiro de pistola no abdômen.
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