Falta de emprego e miséria foram algumas das consequências da Geada Negra para aqueles que tiravam da lavoura cafeeira seu sustento. O historiador Roberto Bondarik, mestre em Engenharia de Produção e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, aponta algumas das razões para a ocorrência da migração em massa no Norte do estado. Segundo ele, foi o maior movimento migratório em tempos de paz na região. Além disso, o êxodo rural provocou um crescimento desordenado nas zonas urbanas. “Hoje, o Norte do Paraná sente falta de um desenvolvimento econômico que se compare ao fenômeno desenvolvimentista que a cultura cafeeira representou”, ressalta.
Confira trechos da entrevista.
Muitas pessoas foram embora do Norte do Paraná por causa da Geada Negra. O que esse movimento representou?
Faltou trabalho, faltaram condições de sobrevivência e as pessoas foram em busca disso. Diria que milhões de pessoas que foram embora. Teria sido a maior movimentação em tempos de paz da qual se tem notícia. Houve toda uma mudança no modo de vida rural. As culturas mecanizadas ocupavam pouca mão de obra. As colônias das fazendas foram sendo extintas. A aplicação da legislação trabalhista também é apontada como um elemento que influenciou na extinção das grandes colônias e na diminuição da oferta de trabalho na região.
O destino escolhido, em grande parte, por aqueles que não eram proprietários foi o das cidades. Algumas do Paraná, como Curitiba, que teve um grande aporte de pessoas coincidindo com a implantação da Cidade Industrial.
A Geada Negra impactou a urbanização do resto do estado, com a vinda de algumas pessoas para outras localidades do Paraná...
Daria para dizer que a geada reconfigurou a formação das cidades do Paraná. Em um primeiro momento, a maioria das cidades sofreu com um crescimento, muitas vezes desordenado, devido ao fluxo dos antigos trabalhadores ou colonos das fazendas. Muitos se tornaram volantes ou boias frias, atividade essencialmente braçal que encontrava no corte da cana de açúcar e na colheita do algodão seu principal campo. Eram muito comuns a miséria e a pobreza na maioria das pequenas cidades.
O Norte do Paraná ainda sente falta do café?
O Norte do Paraná sente falta do café porque foi sinônimo de desenvolvimento e de riqueza por muito tempo. O café ditou o ritmo da ocupação e do desenvolvimento da região. Cerca de 250 cidades e povoados surgiram em decorrência da colonização e o café era o principal produto que movia a economia com o seu cultivo e com as suas atividades acessórias.
Hoje, o Norte do Paraná sente falta de um desenvolvimento econômico que se compare ao fenômeno desenvolvimentista que a cultura cafeeira representou. O café oferecia muitas oportunidades de trabalho e era comum que se plantassem outros gêneros alimentícios entre as fileiras de café.
Quem mais sofreu com a geada: proprietários ou trabalhadores?
Os proprietários talvez possam ter sentido menos o impacto econômico, em especial os grandes e aqueles que compraram as pequenas propriedades e que puderam se dedicar a novas práticas agrícolas ou mesmo à criação de gado. A posse da terra lhes dava acesso a linhas de crédito e financiamento para conduzir a transformação na agricultura que o Paraná vivenciou nos anos 1980.
A mecanização, o uso de tratores, plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras também é mais viável para as grandes propriedades, que justificam o seu custo. Infelizmente, não há muitas opções de equipamentos tecnologicamente viáveis para pequenas propriedades e agricultura familiar.
Para os trabalhadores a perspectiva de ter de ir buscar condições de sobrevivência em outras regiões deve ter sido muito ruim. Quem mudou para a cidade também enfrentou toda uma mudança cultural e de costumes.
Apesar da geada, alguns produtores continuaram com o café. O que motivou a permanecerem nessa cultura?
É comum ouvir de cafeicultores que continuam cultivando esse produto porque são teimosos ou ainda que não saberiam fazer outra coisa. Mas os motivos podem ser mais complexos.
Alguns acham que os resultados produtivos do café compensam os riscos e as eventuais perdas. Novas técnicas de cultivo e novas variedades também podem ser apontadas. O investimento na busca de um grão com melhor qualidade e com bons resultados tem alavancado a produção em muitos municípios do Norte Pioneiro. Me recordo em especial de Ribeirão Claro, onde há até uma festa regional que tem o café como tema. Se há mercado e retorno financeiro com certeza haverá interessados em manter viva a tradição do cultivo do café.
Quanto tempo levou para o Paraná se recuperar dos estragos provocados pela geada? O que contribuiu para essa recuperação?
Não creio que a grande zona cafeeira do Paraná pré-Geada Negra de 1975 tenha se recuperado completamente e em especial o Norte Novo e o Norte Pioneiro. A industrialização não é o único caminho para a melhoria do desenvolvimento do Norte do Paraná, mas é um dos mais viáveis e rápidos. Para tanto, é preciso investimento principalmente em infraestrutura. É inadmissível que cidades como Londrina e Maringá não sejam ainda ligadas a Curitiba e ao estado de São Paulo por estradas duplicadas.
A Geada Negra fez com que uma nova cultura de cereais tomasse corpo na região?
Sim. A erradicação dos cafezais abriu espaço para o cultivo de produtos que permitiam a mecanização quase que completa de seu manejo. Já haviam exemplos de agricultura mecanizada no Paraná como, por exemplo, aquela praticada pelos suábios em Guarapuava, produzindo trigo, arroz e outros produtos. Se alguns cafeicultores tinham dúvidas sobre reduzir a área ocupada lavoura de café, essa dúvida foi extirpada pela geada de 18 de julho de 1975. A agricultura mecanizada mudou o perfil da região econômica e socialmente.