R$ 735 mensais por criança acolhida são repassados pela prefeitura de Curitiba a oito instituições de acolhimento oficiais, do próprio município, e a 43 outras instituições conveniadas. Estuda-se ampliar o valor a partir de maio.
OPORTUNIDADES
Curitiba quer ampliar participação da iniciativa privada
Apesar de contar com unidades de acolhimento próprias e conveniadas e de oferecer programas e cursos profissionalizantes, a Fundação de Ação Social (FAS), da prefeitura de Curitiba, quer ampliar a participação da iniciativa privada na rede de proteção aos jovens acolhidos. "Isso gera uma sensação de responsabilização na sociedade, que passa a ficar envolvida no processo. A iniciativa privada pode abrir outras oportunidades a essas crianças e adolescentes que o poder público não poderia oferecer", diz a presidente da FAS, Márcia Fruet.
Um dos principais programas da prefeitura é o "Adolescente Aprendiz", em que os jovens podem passar um período em uma empresa, aprendendo cada função. São 1.720 vagas oferecidas, prioritariamente, a jovens em vulnerabilidade social. Além de cursos profissionalizantes, como os de Liceus de Ofício, a FAS deve lançar ainda neste ano cursos de idiomas voltados a esses adolescentes. "O nosso foco é dar suporte para que este jovem seja inserido no mercado de trabalho", explica Márcia.
Seis em cada dez adolescentes que vivem em casas de acolhimento de Curitiba estão fadados a permanecer nas instituições até atingirem a maioridade. Na letra fria das estatísticas, 145 desses jovens com idades entre 12 e 18 anos são classificados como "sem possibilidade de desacolhimento": não podem voltar a viver com pais ou familiares e dificilmente serão adotados.
Veja os números do programa "Desacolher também é proteger"
Os números seguem uma tendência nacional, que escancara o alto índice de abrigamento do país. Escondem histórias de indivíduos fortes de quem teve de, desde muito cedo, conviver com a rejeição , mas revelam a necessidade urgente de políticas para preparar esses jovens para a fase pós-abrigo.
O levantamento é feito pelo programa piloto "Desacolher também é proteger", do Conselho de Supervisão dos Juízos de Infância e Juventude do Paraná (Consij-PR). O grupo promoveu um pente-fino na situação processual de cada adolescente acolhido em Curitiba e deve, até a metade do ano, finalizar a análise da situação das crianças.
Assim que a apuração for concluída, o conselho pretende agilizar a adoção ou o retorno à família dos jovens que estiverem aptos para isso. Caso isso não seja possível, irão sugerir programas e parcerias para que os "sem possibilidade de desacolhimento" não fiquem esquecidos nos abrigos. O órgão deve estimular o poder público, empresas e associações a promoverem ações voltadas à qualificação e à colocação profissional desses jovens.
"É preciso um trabalho para que eles, ao atingirem os 18 anos, tenham autonomia para dar início à vida adulta, com encaminhamento profissional e educacional", resume o presidente do Consij-PR, desembargador Fernando Wolff Bodziak. O próprio Tribunal de Justiça já estuda um programa de estágio voltado aos acolhidos.
A necessidade de políticas direcionadas a esses jovens se torna ainda mais evidente quando os dados são estratificados. Do total de adolescentes abrigados em Curitiba, 62% estão nas instituições há mais de dois anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) fixa em dois anos o prazo máximo de permanência.
A realidade corrobora o que os números apontam. Na Casa Acácias, instituição localizada no Hauer, dos dez acolhidos, oito estão sem possibilidade de deixar o abrigo. Os outros dois estão com o processo de retorno à família em andamento, mas não querem voltar a viver com os pais. Apenas dois trabalham. Quatro batalham por emprego, mas sem experiência e especialização, veem as portas se fecharem.
"A gente percebe que faltam oportunidades e direcionamento desses jovens a um emprego. Eles só precisam de uma chance", diz Marlene Garcia de Andrade, gestora da casa.
Paraná é o quinto estado no ranking
Em números absolutos, o Paraná é a quinta unidade da federação com mais crianças e adolescentes acolhidos em instituições. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o fim de março, 3.504 jovens viviam em abrigos no estado. São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul lideram a lista. O CNJ disse não ter dados específicos das capitais.
Por um lado, o acolhimento em abrigos indica que os jovens estão, de alguma forma, amparados materialmente. Por outro, por melhor que seja, uma instituição jamais substituirá uma família. Nos acolhimentos, a regra é o desamparo emocional.
Medida
Além disso, o acolhimento é uma medida protetiva provisória. Segundo o ECA, a prioridade deve ser tentar restaurar o vínculo da criança ou adolescente com a família. Caso não seja possível, deve-se dar encaminhamento à adoção. A permanência por tempo excessivo nas instituições revela que algo não vai bem.
A psicóloga e pesquisadora Lídia Weber avalia que uma série de fatores contribui para a "permanência" dos adolescentes nos abrigos. Entre eles, a demora no encaminhamento das crianças à adoção. De acordo com o ECA, a situação processual de cada acolhido deve ser revisada a cada seis meses, o que não ocorre. A especialista ressalta a necessidade de se olhar para esses jovens com urgência.
"Como alguém que morou a vida toda numa instituição vai sair e ter autonomia? Não tem. Nós não podemos achar isso normal", diz. "Todo o processo de acompanhamento dos casos e de direcionamento à adoção precisa ser mais ágil, porque isso está diretamente ligado ao problema", conclui.
Busca por emprego aflige os mais velhos
Com a carteira de trabalho nas mãos e cheio de esperança, Ivan*, 16 anos, retomou as buscas por um emprego. Ele já percorreu o Centro de Curitiba algumas vezes distribuindo currículos, na expectativa de ser chamado. O rapaz vive há 11 anos na Casa Acácias. Neste período, frequentou só um curso de informática e um programa de menor aprendiz. Deve concluir o ensino médio ainda neste ano. Por causa da baixa qualificação, não faz grandes exigências quanto ao futuro trabalho. "O que vier está bom", sintetiza.
Ivan conta que não tem ideia de como vai ser a vida pós-abrigo. A permanência só é permitida até os 18 anos. Sem ter frequentado um bom curso profissionalizante, se sente sem respaldo para caminhar com as próprias pernas. "Apesar do apoio da casa, não temos muito rumo. Me preocupo com a vida adulta."
Além de Ivan, outros três adolescentes da Acácias procuram emprego. Todos miram o exemplo de Fábio*, de 17 anos. Ele participou por dois anos do programa de aprendizes da Oi, conseguiu poupar um dinheirinho e, agora, se prepara para frequentar um cursinho pré-vestibular. "Quero passar em Psicologia e trabalhar com crianças que foram abandonadas", diz o jovem vaidoso, de cabelos bem penteados.
Além da falta de auxílio, as crianças e adolescentes que vivem em instituições esbarram em um obstáculo invisível: o preconceito. "As pessoas te olham diferente. Você é visto como o órfão. Eles preferem quem vem de uma família normal", diz Fábio. Por causa dos "olhares diferentes", Ivan tirou do currículo o fato de viver em uma instituição. "Depois que conseguir o emprego, eu conto ao patrão. Mas agora, não quero arriscar.".
*Nomes fictícios.
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