"Francisco se comportou como quem chega à casa dos outros. E fez bem", resume o historiador Euclides Marchi, criador do Núcleo de Pesquisa em Religião (Nuper) da Universidade Federal do Paraná. Na posição de uma das maiores autoridades laicas, no Paraná, em questões de catolicismo, Marchi não deixou de acompanhar pela imprensa cada passo do papa.
Começou pela já lendária viagem de avião em que o pontífice não deu coletiva preferiu falar com cada um dos 70 jornalistas, como se estivesse esticando as pernas, e até abençoou terços passando pelo inesquecível erro de percurso do carro que o conduzia pelo centro do Rio de Janeiro. Sua Santidade como um personagem de filme argentino encarou o atropelo com a máxima naturalidade, sem vidros levantados. A Avenida Rio Branco lhe parecia mais íntima do que a Praça de São Pedro. Os brasileiros, igualmente.
Tanto que deu um beijinho na presidente Dilma Rousseff, como devia fazer com as paroquianas mais próximas em Buenos Aires. Deixou a audiência perplexa e não há sinais de que suas estranhezas sejam um gesto estudado, para causar impressão. "O papa está dizendo o tempo todo que é um homem comum, humano, que está próximo. É cedo para diagnósticos de sua visita, mas tudo indica que esse tom vai ser a marca de sua passagem pelo país. E de seu pontificado", reforça Marchi.
O discurso de boas-vindas beirou o protocolar, como era esperado, apesar de um tempero poético próprio de quem é acostumado a falar ao povo. "Ouro e prata não tenho...", citou São Pedro, quase pondo todo mundo a assobiar um cântico popular do catolicismo. "Não podemos esquecer que diferente de outros papas, esse tem uma larga experiência pastoral. Fica nítido em suas atitudes", comenta o historiador.
Discurso aos jovens
No mais, Francisco fez a lição de casa. Destacou a propalada afetividade do povo brasileiro um elogio que redime o país e deu uma pista sobre qual vai ser o teor de seus discursos ao longo da semana. Vai chamar os jovens à missão, mas sem jogar o mundo nas costas de quem ainda está nos verdes anos. Falou em "alimentar a chama", nas escolhas que "valem uma vida" e na mocidade como parte da Igreja e não como apêndice. Se alguém teve dúvida da eficácia dessas imagens, basta lembrar do que desejava na juventude.
O ideário juvenil traçado até agora por Francisco é previsível, mas não de todo. O papa associou jovens e idosos. Já no avião, criticou, sem resvalar no panfletarismo, a sociedade que descarta os mais velhos. A inclusão dos avôs e avós surgiu num tom informal, em meio à brincadeira com a imprensa, à qual tratou com naturalidade rara. Jornalistas não são leões ferozes, como sugeriu uma mexicana que atua na cobertura da Jornada Mundial da Juventude.
Tampouco o papa é um leão. Chama a atenção por nunca se comportar como "um diferente", um religioso "desconfortável" com o que está ao redor, ou um moralista prestes a vociferar. Como qualquer latino-americano, nada parece lhe causar espanto. Nem a pesquisa do Ibope que mostra os jovens meio desafinados com as regras católicas. "Não vai inventar a roda. Não se pode ser ingênuo em se tratando do catolicismo", observa Marchi, mas nada indica que vá fazer discursos condenatórios ou inflamados. Tem uma missão mostrar que ser Igreja é fazer parte, estar junto.
"Vai mostrar que a Igreja é ação", comenta o historiador, sem deixar escapar uma previsão para os próximos dias: papa Francisco deve reafirmar que ser católico é sair da sacristia e ir atrás, onde está o rebanho, fazendo parte do mundo. Simples como isso, mas acrescido da emoção discreta que o pontífice já mostrou saber provocar.