| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Poucos minutos antes do meio-dia de um dia qualquer, ele está a postos no Santuário de Nossa Senhora do Guadalupe para celebrar a missa. Não é dia de preceito nem de festa, mas a igreja está cheia. Não há lugar para se sentar e quem chega precisa se acomodar como pode – em pé, nos corredores laterais, recostando-se a uma parede ou pilastra. Aqui e ali, cinegrafistas uniformizados preparam a transmissão. Há três câmeras espalhadas pela nave e mais outra em uma grua, que dará as imagens panorâmicas de todo o Santuário, mergulhando de tempos em tempos entre os fiéis, em busca dos detalhes da religiosidade de cada um.

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Veja o ensaio fotográfico do padre Reginaldo Manzotti

Veja o vídeo com o “Lado B” do padre Reginaldo Manzotti

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Padre Reginaldo Manzotti

Reginaldo Manzotti nasceu na pequena Paraíso do Norte, Noroeste do Paraná, em 25 de abril de 1965. Caçula da família, recebeu formação católica dos pais Antonio e Percília Manzotti. Como todo garoto da época, gostava de acompanhar as séries da tevê, como Bonanza. Junto com os irmãos e primos, recriava as disputas do western com revólveres de brinquedo . Havia espaço também para as encenações inspiradas nos programas de telecatch. Um ringue improvisado era montado no local de descarte de palha de arroz da cerealista dos Manzotti. Não finge modéstia: ganhava todas as lutas. Descobriu a vocação aos 12 anos. Ordenou-se em 1996. Em 2005, fundou a Associação Evangelizar é Preciso. Faz shows por todo o país. Só no ano passado foram 98. Escreveu oito livros e gravou dez CDs. Todos os meses sua página na internet tem 1 milhão de acessos. Mais de 5 milhões de pessoas já curtiram sua página no Facebook.

Na lateral, uma banda completa – guitarra, baixo, bateria, teclado, cantores – está prestes a iniciar o canto de entrada, que o próprio padre conduz logo após a reverência diante do altar. Enquanto a música continua, ele aproveita para os ajustes. Com acenos suaves à equipe, acerta o retorno do microfone, direciona melhor os cinegrafistas.

Tem anos de experiência em rádio e na televisão e sabe muito bem que os detalhes técnicos podem significar o sucesso ou o fracasso de uma transmissão. Todos os dias, as missas do Santuário chegam a milhões de telespectadores, graças à tecnologia.

Quem está na igreja canta junto, mesmo sem a mesma desenvoltura do padre. Em alguns momentos, ele encoraja gestos, acenos dos fiéis, que se envolvem.

Não raro, há aqueles que se emocionam, deixando as lágrimas correr. Outros trazem nas mãos fotos de família, documentos.

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Estão em busca de um favor, uma graça, e esperam que aquele sacerdote os ajude.

Se Nosso Senhor disse ‘minha alma está numa tristeza mortal’, por que eu seria diferente?

Padre Reginaldo Manzotti, comunicador.

Ele é padre

Esqueça os mitos e os preconceitos. Não espere ver nesse devoto de Nossa Senhora do Carmo, São Luiz Gonzaga e Santo Antônio um mero artista vestido com alva e casulo. Tampouco queira encaixar em seus 1,90 metro de altura a caricatura do religioso alheio às coisas do mundo, envolto em incensos de santidade. E muito menos a figura do sacerdote condescendente, adepto da religiosidade amena. Não, Reginaldo Manzotti não é nada disso.

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Sim, ele é padre. E, sim, canta. Mas de modo algum resume sua atuação a cantar. Mesmo que a música seja um dos aspectos mais conhecidos de Manzotti, é apenas um instrumento. Desde os primeiros anos de sacerdócio, o religioso percebeu o poder da música. Os fiéis, argumenta, sentem-se mais participativos quando conhecem as músicas e cantam durante as celebrações. “O papa Bento XVI, em um de seus livros, fala que a música desperta no ser humano sentimentos que a palavra não consegue tocar. Eu me valho disso”, explica, para em seguida enfatizar o cuidado que tem com a liturgia.

“Não existe ‘missa show’. Esse termo é abominável. Missa é missa. Show é show. São duas coisas distintas”, desanca. De fato, nas missas no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no “Baixo Centro” de Curitiba, a música aparece sempre, mas sem invadir os necessários momentos de introspecção e silêncio. Já quando o padre se apresenta em eventos, a música toma o lugar principal, mas sem se tornar mero espetáculo. “Meus shows são cantados e ministrados. Canto e uso a música para evangelizar e passar conteúdo religioso.”

Além de cantar, Reginaldo compõe. Estimula esse lado com muita leitura, para poder “fugir do “lerê-larâ” das músicas atuais, e ouvindo todos os gêneros musicais – quase todos. “Sou fã do Guns N’ Roses, mas escuto de tudo. Sertanejo, pagode, pop, rock para conhecer todos os nuances da música. Só não consigo ouvir funk. Aí já é demais. Quem gosta, ótimo, mas eu não consigo”, explica, aos risos.

24 horas

O dia de Reginaldo Manzotti parece ter bem mais que as 24 horas dos reles mortais. Acorda bem cedo, malha alguns minutos para manter a saúde. “Preciso cuidar dessa carcaça de Deus. Porque o corpo é o tempo de Deus. E senão o colesterol vai lá pra cima.” Depois segue sua oração particular, o café da manhã, hora de ler os jornais e se atualizar, o programa de rádio das 10 às 11, reuniões com a equipe de trabalho – além de reitor do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, Manzotti é diretor da TV e da Rádio Evangelizar mantidos pela Associação Evangelizar é Preciso.

Ao meio-dia, celebra a missa, almoça em seguida, às 13h15, e às 14 horas está de volta ao trabalho, que inclui atividades pastorais, reuniões, gravações de programas, entrevistas. Só volta para casa às 22 horas, para jantar, responder e-mails, compor, escrever – publicou oito livros – e finalmente dormir. Não tem um dia de folga fixo. Renunciou a isso há muitos anos, devido a uma promessa pessoal.

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Para poder cumprir tantos compromissos, a organização é essencial. O padre trabalha com checklists. Tudo tem de ser marcado na agenda – cumprida à risca. Para esta repórter, reservou uma hora, das 16 às 17 horas. A gravação em vídeo roubou o horário de almoço do sacerdote: foi marcada para as 13h30, e as fotos tiveram de ser feitas durante a celebração ao meio-dia. Não havia outro espaço na agenda.

Quem quiser trabalhar com ele precisa ter a mesma disposição. Cobra eficiência e responsabilidade da equipe e está sempre por perto. Acredita que “é o olho do dono que engorda o boi”. “Delego funções, mas a responsabilidade continua sendo minha.” É exigente, quer tudo bem feito e tem excesso de energia – “parece ligado no 220”, conta uma pessoa próxima.

Pânico

Não, ele não foi um menino rebelde empurrado à força para o seminário, para se “emendar”. Tampouco recebeu uma revelação divina para ser padre. A ideia lhe ocorreu aos 12 anos, quando folheava uma revista e deu de cara com um anúncio que perguntava: “Você quer ser padre?”, seguido de um endereço para correspondência. Escreveu uma carta e a enviou. Logo se esqueceu do feito, achando que não daria em nada. Meses depois alguém apareceu na porta da sua casa. Era o carmelita Jerônimo Brodck, de moto, perguntando por Reginaldo. O piá de 12 anos entrou em pânico, pois não tinha falado nada aos pais sobre a carta. Depois de uma breve conversa com eles, seguiu mesmo para o seminário.

“Claro, com aquela idade você ainda não tem certeza, mas ao longo do tempo eu fui confirmando que era essa o meu caminho. Você vai pesando se mesmo com as renúncias que você terá de fazer, aquilo vai te realizar. Quem não se realiza fica amargo, infeliz consigo mesmo.”

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Os anos de preparação foram marcados por muito estudo e momentos de crise, que o padre assume sem problema. Em alguns momentos, teve dúvidas sobre qual direção seguir. Pensou que queria constituir uma família, teve namoricos, custou a aprender a obedecer.

“As pessoas acham que é um anjo que aparece e diz ‘você vai ser padre’. Isso não existe. Na verdade, você mesmo vai percebendo que se inclina a isso, que ama a Deus, que pode cuidar das coisas Dele”. As crises foram momentos positivos, que firmaram sua fé e a confiança na própria vocação. Hoje, garante, é feliz como sacerdote, apesar de ter seus momentos de tristeza, angústia e melancolia. “Se Nosso Senhor disse ‘minha alma está numa tristeza mortal’, por que eu seria diferente? “

Obra

Manzotti dá a entender que não tinha ideia de onde chegaria com sua obra. “Deus sonhou mais para mim do que eu para mim mesmo”, faz trocadilho. Hoje, a Associação Evangelizar É preciso, fundada há uma década, tem milhares de associados. Além da rádio e da televisão, que produzem conteúdo retransmitido para o mundo através da internet e centenas de emissoras, a entidade mantém obras sociais.

Em parceria com a Pastoral da Criança, a associação atende 10 mil crianças por mês. Também auxilia na manutenção de uma creche, um programa social e em breve integrará um projeto estadual para socorro de dependentes químicos.

Mas o padre acredita que a maior contribuição acontece através dos meios de comunicação. Seu programa de rádio Experiência de Deus é retransmitido por 1,5 mil emissoras do país. Impossível calcular o público atingido pelas mensagens e aconselhamentos que Manzotti faz ao vivo.

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Há pessoas que tentam anos a fio falar com ele e quando conseguem, emocionam-se. Através de uma ligação telefônica, compartilham suas vidas e crises, sem pudores. É aí que o sacerdote se desdobra em psicólogo, assistente social, médico, advogado. “Não tenho obrigação de dar uma resposta final, mas de fazer as pessoas refletirem. Por isso me proponho a falar de tudo, mas sem ser o dono da verdade.”

E fala de tudo mesmo. Bem informado, não tem medo de se expor. Vai a entrevistas, debates, responde a qualquer pergunta que lhe façam, seja sobre política, economia, tabus, preconceitos. “Aceito aparecer porque sei que quando me exponho, eu divulgo Jesus Cristo, a Igreja Católica, o sacerdócio”. Mas tem cuidado em não confundir a notoriedade com fama. Sabe dos perigos que isso poderia causar e tem consciência de que isso pode mudar a qualquer instante. Não por acaso, um dos seus livros preferidos da Bíblia é o Eclesiastes.

“Você pode ser vaidoso por andar descalço. O problema não é onde você está ou que você tem, mas o que você faz de onde está ou com o que tem.” Na política, alimenta posições fortes. Apoia a taxação de grandes fortunas, o fim do financiamento empresarial de campanhas, a mobilização popular contra os desmandos dos corruptos, desde que não haja violência. “Existem políticos muitos bons, mas e os corruptos? Será que não têm medo de ir para o inferno?”

Um homem comum

Ele também tem momentos de fraqueza e cansaço. A agenda extenuante por vezes transparece na voz mais rouca ou no olhar abatido do padre. Nos programas de rádio, não raro deixa escapar suspiros de impotência diante de relatos trágicos de ouvintes desesperados. Nos escassos momentos em que não está trabalhando, opta por ler um livro. Há sempre três em sua cabeceira: um de teologia, um sobre a vida de algum santo e outro de literatura.

Gostou muito de Os Catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher. Começou a ler Inferno, de Dan Brown, mas não gostou. Vez ou outra assiste a um filme “de Hollywood mesmo, com efeitos especiais, que faz chorar”. Foge dos filmes cabeça, cinema alternativo ou com muita violência. Filmes são diversão.

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Pessoalmente, é acolhedor. Com os anos de prática com o público não podia ser diferente. Mas também é firme quando precisa criticar. Não se exime em dizer quando há erro ou distorção na compreensão da doutrina. E tem horror a “católicos frouxos”.

Para Reginaldo, precisamos ser cristãos de verdade, que dobram o joelho diante de Deus e se revestem de Cristo. Nada de frouxidão.

“Eu estou apostando a minha vida. Você tem de consumir a sua vida em algo que você acredita. E eu realmente acredito naquilo que vivo.” Esta é a mensagem final do padre Reginaldo Manzotti. Para crentes e descrentes.

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