Autores africanos de países de língua portuguesa consideram o acordo ortográfico benéfico não só para o idioma como para o intercâmbio editorial, que tende a crescer. Na última Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto), em novembro passado, o escritor e editor angolano José Eduardo Agualusa defendeu o acordo, argumentando que o português "é uma construção conjunta dos países lusófonos, e não propriedade de Portugal", cuja resistência foi, segundo ele, uma "reação conservadora".
Agualusa participou de uma mesa de discussões sobre o assunto com o acadêmico Domício Proença Filho e a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria José de Matos Luna, e, depois, com os patrícios angolanos Pepetela e Ondjaki, igualmente favoráveis ao acordo. Numa outra mesa, que reuniu autores moçambicanos como Paulina Chiziane, a reação ao acordo foi semelhante - ele é visto como sinônimo de expansão do mercado editorial.
Agualusa sempre foi um defensor do acordo. Em Angola, assim como em Moçambique, há poucas editoras. A maioria das edições é importada e ter duas ortografias num mesmo território era um problema e tanto até agora. Sócio da editora Língua Geral, Agualusa não podia, por exemplo, vender seus livros infantis em Moçambique por serem editados segundo a ortografia adotada no Brasil. A partir deste ano, o problema, espera, estará definitivamente resolvido. "Portugal acha que a língua é dos portugueses, isso quando eles foram colonizados pelos árabes, esquecendo ainda que o centro, hoje, é o Brasil, com 95% dos falantes." Agualusa admitiu que a sua é uma defesa política do acordo.
Domício Proença Filho, autor de 50 livros e membro da Academia Brasileira de Letras, defendeu o acordo no encontro de Porto de Galinhas, lembrando justamente o caráter político que dificultou até bem pouco tempo a reforma. "Há um século tentamos uma regulação ortográfica, sendo a primeira tentativa dos filólogos datada de 1911", disse.
Acordo tímido
O acordo é bom? Para Proença Filho, as regras não são difíceis, mas o texto do acordo está longe do ideal. "O critério é mais fonético que etimológico." O grande nó, segundo ele, ainda é o hífen. "Deveria ter sido eliminado, simplesmente", defendeu o acadêmico na Fliporto, classificando o acordo de "tímido". A vantagem principal, segundo o escritor, é que o novo acordo ajuda no processo de alfabetização. Os portugueses discordam. O acadêmico Vasco Graça Moura, primeiro signatário da Petição em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, que desde maio do ano passado recolheu mais de 90 mil assinaturas, considera que ele serve aos interesses políticos e econômicos do Brasil. Domício Proença acha, porém, que não há razões que justifiquem a desconfiança no "imperialismo linguístico" do Brasil, como a de Graça Moura.
A escritora moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher a escrever um romance em seu país, acha que essa resistência reside numa tentativa inútil de preservar a hegemonia que os portugueses já perderam com o advento de uma literatura africana independente da sintaxe da colônia. Ela sempre defendeu a primazia da oralidade sobre a palavra escrita.
Para o multipremiado escritor brasileiro Cristóvão Tezza, que ganhou todos os principais prêmios literários do Brasil em 2008, trata-se, sim, de um problema político. "A questão central é a utopia de se criar uma comunidade portuguesa mundial, como se isso fosse possível", diz, esclarecendo, no entanto, que não pertence à turma da resistência ao acordo.
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