Uma polêmica tem colocado em lados opostos os cardiologistas clínicos e intervencionistas: "quando é realmente necessário o uso do stent - uma espécie de mola metálica que é implantada no interior das artérias coronarianas obstruídas, com o objetivo de normalizar a irrigação sanguínea?" A prótese, um dos recursos mais empregados da cardiologia moderna, custa de R$ 2 mil a R$ 10 mil, no caso dos farmacológicos - modelos mais recentes, que liberam medicamento, o que faz com que tenham um impacto significativo no sistema público de saúde, que só fornece o modelo mais simples. Em 2007, o Ministério da Saúde gastou R$ 161 milhões para realizar 33.560 angioplastias (intervenções cirúrgicas para corrigir obstruções nos vasos e implantação de stent). Ou seja, R$ 4.797,37 por procedimento.
Estudos recentes, no entanto, mostram que, nos casos menos graves de doença coronariana, a implantação de stent não reduz a mortalidade, o risco de enfartes e não melhora a qualidade de vida. Essas pesquisas mostram que em doenças coronarianas de risco baixo ou moderado o tratamento clínico com medicamentos pode ser suficiente para conter a evolução do quadro.
"Tem que separar o joio do trigo. Muitos hemodinamicistas (especialidade médica que estuda as leis reguladoras da circulação de sangue nos vasos) vêem uma obstrução e já querem logo colocar um stent", afirma o cardiologista Carlos Scherr, doutor em cardiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para quem está havendo um abuso na colocação desse tipo de prótese. "Exageros podem ocorrer em um ou outro lugar, mas nos centros médicos de excelência ninguém indica uma angioplastia sem necessidade", defendeu o cardiologista Expedito Ribeiro.
COURAGE
O antagonismo entre clínicos e hemodinamicistas se aguçou depois da divulgação no "New England Journal of Medicine", uma das mais conceituadas publicações médicas, do estudo Courage - Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation.
Essa pesquisa acompanhou 2.287 pessoas com artérias parcialmente obstruídas e angina estável, entre 1999 e 2004. Os pacientes foram divididos em dois grupos. Num deles, os pesquisados seguiram um tratamento clínico rigoroso, tomando medicamentos prescritos adequadamente e na dosagem ideal, além de terem feito mudanças no estilo de vida, como emagrecer, fazer atividades físicas e parar de fumar.
No segundo grupo, além de terem feito tudo isso, os pacientes também foram submetidos à angioplastia e à colocação de stent. A conclusão foi de que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade e à redução de risco de enfarte.
O resultado provocou polêmica. Enquanto os cardiologistas clínicos viram nele um reforço à idéia de que o tratamento com medicamentos feito corretamente é capaz de controlar a doença coronariana em seu estágio inicial, os intervencionistas criticaram a metodologia do estudo.
"O tratamento clínico foi dos mais bem feitos que já se viu, enquanto que a angioplastia não foi feita de acordo com as melhores práticas", rebateu o cardiologista Fausto Feres, diretor do Serviço de Cardiologia Invasiva do hospital Dante Pazzanese, de São Paulo. Enquanto nos melhores centros a taxa de insucesso da angioplastia não passa de 5%, no Courage ela foi de 11%.
Há duas semanas, durante o Congresso Europeu de Cardiologia, um desdobramento do estudo norte-americano reforçou esse resultado: três anos após o Courage, também não foram registradas alterações significativas na qualidade de vida dos dois grupos.
Ribeiro, que falará sobre o estudo no dia 27 de setembro, no Simpósio Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Abordagem Clínica, em São Paulo, discorda dessa conclusão. Ele cita o próprio resultado do Courage: "Depois de 4,6 anos, 32% dos pacientes em tratamento clínico exclusivo tiveram de passar por uma cirurgia de revascularização No grupo que fez a angioplastia e colocou o stent, esse índice foi de 22%", afirmou.
Para Scherr, o fato de em alguns casos a doença evoluir e exigir procedimentos invasivos, não invalida os benefícios do tratamento físico exclusivo. "O Courage foi um estudo que não foi patrocinado por nenhum laboratório ou fabricante de stent, e seus resultados mostram que é possível, sim, controlar a evolução das doenças coronarianas com um tratamento clínico bem feito e com mudança de estilo de vida", concluiu.
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