Problemas como inquéritos parados e encerrados sem nem sequer serem abertos, carga horária excessiva e investigações paralisadas, fazem parte de uma rotina dentro das delegacias da Polícia Civil do Paraná. É que os escrivães, função fundamental para dar prosseguimento às investigações e a procedimentos como flagrantes e intimações, não têm dado conta do recado em razão da defasagem do efetivo. Atualmente, segundo o sindicato da categoria (Sidespol), há 720 escrivães em todas as unidades da Polícia Civil no estado. Por lei, o efetivo deveria ser de 1,4 mil.
A consequência disso pode ser vista em delegacias da Região Metropolitana de Curitiba. Em Pinhais, há três mil inquéritos parados. Em Fazenda Rio Grande, 5,6 mil. Nas duas unidades trabalham, respectivamente, dois escrivães. A realidade é semelhante no restante do Paraná também.
Em Curitiba, o problema é ainda maior. Nas madrugadas do Centro Integrado de Atendimento ao Cidadão-Sul (Ciac), no 8.º Distrito Policial, no bairro Portão, os escrivães ficam horas trabalhando nos flagrantes que são apresentados por policiais militares que, por vezes, passam a grande parte da madrugada aguardando para serem atendidos.
Isso, de acordo com um soldado que preferiu não ter o nome revelado, deixa alguns bairros desguarnecidos, pois as viaturas ficam paradas no estacionamento do Ciac. O mesmo ocorre com os guardas municipais. Em média, segundo alguns escrivães, ocorrem oito flagrantes por plantão da madrugada no Ciac. Os procedimentos duram, em média, quase duas horas. É preciso ouvir o suposto envolvido, os policiais que o prenderam e, por vezes, a vítima. “Os escrivães não conseguem fazer o trabalho com a eficácia necessária”, diz o presidente do Sidespol, Airton Carlos Fernandes.
Jornada
Segundo Fernandes, essa defasagem no efetivo tem causado ainda mais problemas, como a carga horária excessiva. A reportagem ouviu relatos de vários escrivães que mencionam terem de trabalhar em escalas estafantes. Em alguns casos, atuam 12 horas durante o dia e ficam em alerta para qualquer necessidade na madrugada. A Gazeta do Povo conseguiu registros de várias escalas de plantões dos escrivães.
Em Matelândia, no Oeste do Paraná, além da cidade em que estão lotados, dois escrivães atendem também Vera Cruz do Oeste, Ramilândia e até Céu Azul. Lá, os escrivães tiram um dia de folga na semana. Segundo o sindicato, a escala adequada, determinada por lei, é de 24 horas de trabalho por 72 horas.
Outras reivindicações
Melhorar o salário e implementar a exigência de bacharelado em Direito são outras bandeiras da categoria. Atualmente, o salário inicial dos escrivães do Paraná é de R$ 5 mil e é exigido qualquer curso de ensino superior para ingressar na carreira. “Técnico-judiciário, carreira de ensino médico no Tribunal de Justiça do Estado, ganha R$ 300 a mais”, protesta o presidente do Sindespol.
Compare
Em São Paulo há cerca de 7 mil escrivães. Minas Gerais e Santa Catarina contam com 1,8 mil e 1,4 mil, respectivamente. O estado vizinho do Sul tem um pouco mais da metade da população paranaense.
O que diz o governo
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) informou que está elaborando um concurso público para a carreira de escrivães. Segundo a pasta, em breve, os documentos serão encaminhados para a Secretaria de Estado da Fazenda e demais secretarias envolvidas no processo.
Escrivã diz que não abre boa parte dos inquéritos para ler
Uma escrivã da região de Curitiba afirmou que, em razão da falta de efetivo, sequer abre os inquéritos para folhear. Segundo ela, que pediu para não ter o nome revelado, a prioridade dos escrivães são os flagrantes e casos com investigados detidos. “Em muitos casos, eu só coloco certidão de recebimento do procedimento e de entrega, nem abro”, afirmou.
Assim, muitos casos terminam sem ser investigados, perdendo prazo. Outros milhares se acumulam diariamente sem que um funcionário de a importância necessária em cada caso. “Há ainda muitos unidades piores que a que eu trabalho”, comentou.
O problema não para por ai. Tem dores de cabeça diárias, quase não vê os dois filhos e dificilmente tem um dia de folga. “Remédio para dor não funciona mais. Meus filhos ficam mais com a babá do que comigo”, comentou, ao lembrar que, praticamente fica mais tempo na delegacia do que em casa.
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