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Pichação em muro da Vila Cruzeiro resume a tensão na favela: por enquanto, governo do Rio não pretende instalar unidade da polícia pacificadora no local | Tasso Marcelo / AE
Pichação em muro da Vila Cruzeiro resume a tensão na favela: por enquanto, governo do Rio não pretende instalar unidade da polícia pacificadora no local| Foto: Tasso Marcelo / AE

Depoimento

Beatriz Freire Gameiro Coelho, 54 anos, educadora, mora no bairro Tijuca, localizado entre a Zona Oeste e Norte do Rio. A região sofreu com os ataques.

"Ouvi tiros na Tijuca. Isso tem de acabar"

"Eu ouvi tiros na terça-feira na Tijuca, onde trabalho. Depois fiquei sabendo que um carro foi incendiado. Receio qualquer morador do Rio tem. O trânsito está complicado e a gente tem medo. O carioca não precisava passar por mais isso. O dia a dia no Rio já é complicado em razão da violência. Uma coisa importante é não acreditar em boatos. Já ouvi: ‘não vá na Zona Sul porque a Rocinha está armada’. Mentira. Não está. Ou outra coisa: ‘teve arrastão no Barra Shopping’. Não houve. Mais tensão é o que o bandido quer. Mas estou apoiando as ações da polícia. Isso precisa acabar e é cercando, com pressão. Não vou deixar de ir para Tijuca, a rotina tem que continuar."

Depoimento

Diogo Gameiro, cineasta, 26 anos, que mora e trabalha na Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A região não foi atacada.

"Na Barra, a vida segue seu ritmo"

"Eu moro na Barra e trabalho na Barra. É claro que nos preocupamos com o que anda acontecendo pela cidade, mas aqui a rotina está funcionando normalmente. Apesar de a maioria das conversas girar em torno desse clima, todo mundo está indo e voltando para o trabalho de ônibus, como todos os dias. O que realmente mudou, para mim, é que quando preciso fazer alguma coisa na Zona Sul procuro ter notícias do que está acontecendo para saber se o caminho está seguro, se não há nada na Rocinha (que fica no caminho), por exemplo. As pessoas vão avisando por twitter ou telefone onde alguma coisa fora do normal está acontecendo. Até agora não vi nem ouvi nada, mas fico torcendo para que esse clima de tensão acabe logo."

Se para a maior parte dos cariocas as intermináveis cenas de violência – seja a da fuga dos bandidos armados da Vila Cruzeiro, seja a da incineração de veículos nas ruas – são chocantes, para os que vivem de perto a intensidade dos ataques e da reação policial a situação é de desespero.Na Vila Cruzeiro, os moradores, muitos forçados a abandonar suas casas com medo dos tiroteios, colecionam histórias tristes. A família do garçom Waldomiro Carlota, de 43 anos, morto com um tiro dentro de casa na noite de quarta-feira, só no fim da tarde de ontem conseguiu tirar o corpo da residência. Ninguém podia sair por causa dos tiros.

"A família está desesperada, já foi à delegacia, ao batalhão (da Polícia Militar), à Defesa Civil, e ninguém se encorajava a ir lá buscar (o corpo). O menino era honesto, e agora a família quer ter o direito de enterrá-lo", disse um amigo, com medo de se identificar.

O servente de obras José Pereira, de 33 anos, morador da Caixa D’Água, favela também no Ale­mão, levou um tiro no pé esquerdo quando chegava em casa ontem, por volta das 11 horas. "Não sei quem atirou. Se foi a polícia, foi sacanagem. Porque eles sabem quem é quem e viram que eu não sou bandido". Ele foi atendido no Hospital Getúlio Vargas e passou quatro horas sentado na porta do hospital – não tinha como chegar em casa por causa do tiroteio.

O taxista Lídio Júnior, de 33 anos, cunhado do motorista de ônibus Reginaldo Dias Peixoto, de 36 anos, baleado na cabeça na madrugada de ontem, quando dirigia um ônibus fretado pela Petrobras, na Avenida Brasil, resumiu o sentimento da população. "Eu fico aliviado porque meu cunhado está vivo. É um milagre. Mas estou revoltado com o governo, que deixou o Rio chegar a essa situação. Essas UPPs deveriam ter sido feitas há 15 anos." Reginaldo não corre risco de morte.

Enterro

Sob o barulho do tiroteio entre policiais e traficantes na Vila Cruzeiro, foi sepultado ontem o corpo da estudante Rosângela Barbosa Alves, de 14 anos, morta com um tiro no peito durante o confronto de quarta-feira na favela. Cerca de 25 pessoas foram ao Cemitério de Inhaúma acompanhar o velório e o enterro e se solidarizar com a família.

"A dor é muito forte. Acho que ainda não caiu a ficha de que perdi minha filha. Era uma garota pacata. É preciso que as pessoas entendam que a favela não tem só bandido, tem muita gente boa", afirmou Roberto Alves, o pai da adolescente, com lágrimas nos olhos, lembrando que havia se esforçado para juntar dinheiro para comprar o computador que a garota usava quando morreu.

A menina estava perto da janela de casa quando foi atingida. Segundo o pai, o tiro partiu de policiais. "Agora, eu quero justiça. E quero que isso não aconteça novamente com pessoas boas. Não quero nenhuma indenização do governo. Queria era a vida da minha filha, mas sei que isso não é mais possível", lamentou Alves.

Durante o velório e o enterro, a mãe da menina, Tereza Cristina Cesar Barbosa, teve de ser amparada. Ela e Roberto têm outros cinco filhos, sendo que um deles, de 8 anos, também estava em casa e foi atingido de raspão na barriga. "Eu quase perdi dois filhos ontem (quarta-feira). Criar sua família numa situação como essa é muito difícil. Vou fazer de tudo para sair de lá."

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Repercussão

O confronto entre policiais e traficantes no Rio ga­nhou as páginas dos prin­cipais jornais do mundo. Veja como eles noticiaram os ataques:

El País (Espanha)

"Rio leva tanques a favelas para uma batalha decisiva contra o narcotráfico"

- O jornal destaca a violência no Rio em seu site e abre o texto dizendo: "No Rio, chamado de cidade maravilhosa, a violência continua." O jornal fala em "batalha decisiva" e afirma que este é "um momento crucial para eliminar a violência" na cidade que vai sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Uma fotogaleria mostra fotos dos tanques nas ruas, soldados com os rostos pintados e um ônibus em chamas.

Guardian (Reino Unido)

"Confrontos armados no Rio de Janeiro deixam ao menos 14 pessoas mortas"

- A matéria termina citando um poli­cial que disse que as autoridades es­peram mais ataques. "Vai haver pro­blema", disse ele.

El Mundo (Espanha)

"A polícia entra na favela mais perigosa do Rio com blindados do Exército"

- O jornal fala sobre seis tanques do Exército usados para entrar na favela da Vila Cruzeiro e destaca 55 veículos incendiados, 28 favelas em que a polícia realiza operações e ao menos 23 mortos nos confrontos.

Independent (Reino Unido)

"Membros de gangues de dro­gas combatem polícia no Rio"

- O jornal britânico diz que a violência "levantou mais dúvidas sobre a habilidade do Rio em sediar, de forma segura, a Copa em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016".

El Clarín (Argentina)

"Tanques entram em favela do Rio para ajudar na luta contra grupos do narcotráfico"

- O jornal informa que "seis tanques blindados das Forças Armadas entraram na favela Vila Cruzeiro, considerado o principal reduto do grupo criminoso conhecido como Comando Vermelho". O jornal também publicou uma fotogaleria em seu site.

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